Os cinco mitos.

Nos últimos dias tenho me preocupado com a direção tomada por alguns participantes das manifestações que estão nas ruas. Seus gritos, cartazes e propostas me parecem inspirados em cinco perigosos mitos que rondam nosso país. Esses mitos impedem a percepção dos verdadeiros e sérios problemas que nossa sociedade enfrenta. 

MITO 1- Os políticos são todos corruptos, fora com eles! 

É preciso resistir a todo custo diante desse mito. Ele generaliza de forma totalmente falsa uma espécie de imoralidade que seria própria aos políticos. Mas precisamos cavar um pouco mais fundo para entender o real problema.

A classe política não é composta por um bando de alienígenas vindos do planeta dos bandidos. Todos os políticos eleitos são representantes. O problema é que muitos deles não cumprem sua função. Repare que a maioria do nosso Congresso é composta de empresários e homens de negócios, enquanto nossa sociedade é composta basicamente de trabalhadores. Não tem alguma coisa estranha nisso? Tem sim: nossa representação é distorcida, e os interesses econômicos terminam se sobrepondo aos interesses sociais. E por isso tantas coisas na nossa sociedade não funcionam. Nosso transporte urbano é ruim: é dominado por grandes empresas que financiam campanhas. Os estádios da Copa foram caríssimos e superfaturados: para atender os interesses dos donos de construtoras. Nosso sistema de telefonia celular é péssimo: é “fiscalizado” por uma agência reguladora dirigida por ex-executivos das empresas de telefonia… E assim vai. 

Você acha que são os políticos que faturam com a corrupção? Na verdade, os principais beneficiados são esses empresários: eles são os principais corruptores. Isso pode mudar com um maior controle social, contas abertas e comitês de fiscalização. Sim, nós podemos mudar esse quadro: com maior participação social. Politizando mais, e não menos, nossa sociedade.

MITO 2- Quanto menos governo melhor! O estado não sabe fazer nada direito e gasta mal os recursos

Esse é o mito da incompetência do Estado, que tanto circula na imprensa e segundo o qual no Brasil seria impossível que o governo trabalhasse de forma correta em prol do cidadão. Trata-se de uma grossa mentira. Não há nada em nossa sociedade que favoreça ou impeça por si só o governo de ser bom. E deve-se dizer que muitas instituições públicas são bem conduzidas. Estudei em uma universidade pública e não tenho queixas: recebi uma educação de qualidade. O problema não é o tamanho do Estado, ele não deveria ser maior ou menor: deveria ser melhor, só isso. 

Esse mito esconde um interesse perigoso. No Brasil já se fez assim: governantes inescrupulosos sucateiam as empresas públicas, jogam para a mídia a imagem de que estas são ineficientes, e depois vendem as empresas. Isso é alienar patrimônio coletivo: uma empresa vendida deixa de ser de todos e passa a ser de um ou dois! É como se a gente dissesse assim: ta ruim, quebrou, joga fora! Mas é muito melhor consertar: empresas públicas destinam seus lucros para a coletividade e não para um empresário. E isso pode acontecer também, com um maior controle social sobre as contas públicas, a partir da formação de comitês com a participação direta da sociedade. 

MITO 3- Bolsas são populismo, demagogia!

Para muitos as bolsas dadas pelo governo a populações de baixa renda são um incentivo para a inércia e não resolvem o real problema. O governo deveria investir mais em educação, ensinar a pescar ao invés de dar o peixe. São muitos os problemas dessa suposição. Em primeiro lugar, antes mesmo de ensinar a pescar, é preciso não deixar o pescador morrer de fome. E as bolsas fizeram isso: impediram e impedem milhões de MORRER DE FOME. Em segundo lugar, as bolsas não favorecem a vagabundagem: as taxas de emprego dos usuários das bolsas são maiores do que a média nacional. E afinal, ninguém consegue viver só com valores tão baixos.

Também aqui é preciso ir mais fundo. As bolsas existem como mecanismo de compensação. Você sabe o que diferencia de verdade o Brasil dos países desenvolvidos? É o SALÁRIO. Os salários são muito mais altos por lá, o que quer dizer que nesses países a maioria tem acesso ao consumo e oportunidades para crescer. No Brasil tínhamos até antes das bolsas e dos aumentos do salário mínimo uma desigualdade social pior do que a maioria dos países da África. Baixos salários significam uma elite econômica exploradora e desumana. Significam também menos gente pra consumir e colocar a economia pra funcionar. Enquanto pagarem salários tão baixos, precisaremos de bolsas sim.

MITO 4- O governo não investe em saúde, em educação, o quanto deveria! 

Esta frase se refere a algo que não existe: O governo. Não existe O governo: existem governos. Federal, estaduais e municipais. Sofremos no Brasil de uma ignorância muito séria do pacto federativo: ou seja, quase todo mundo desconhece as atribuições de cada governo, e assim não sabe a quem cobrar. A educação no Brasil está muito abaixo das expectativas? Mas, qual educação? A educação pré-universitária. Aquela que é gerida pelos governos estaduais e municipais. Assim, se for cobrar uma educação melhor, cobre do governador e do prefeito! E analise a história do partido que está no governo do teu estado e do teu município, e veja se nesse governo a educação melhorou. Não acredite em belas propagandas, elas são feitas para boi dormir. Veja os números, converse com os profissionais envolvidos, eles te dirão melhor o que está acontecendo. Mas: saiba sempre a quem culpar, e cobre quem deve ser cobrado! 

MITO 5- O brasileiro é pilantra, vagabundo! 

Este é o mito mais perigoso de todos. É o mito do “brasileiro”, entre aspas. Ouvimos isso por todo lado. “Brasileiro” é assim, se puder levar o seu leva, se puder aproveitar aproveita. “Brasileiro” é preguiçoso, gosta de feriado, não gosta de trabalhar. “Brasileiro” não reclama, é bonzinho, passivo. Repare que este mito está na base de vários outros que vimos aqui. Seria por exemplo esse caráter do “brasileiro” que levaria a uma classe política corrupta: sujeito quer chegar lá só pra mamar… é o “brasileiro” no poder que faz todo esse estrago. 

Em primeiro lugar, sou brasileiro e não “brasileiro”, não aceito ser considerado omisso, imoral, vagabundo, bundão! Mas é ainda pior: essa imagem trai um preconceito brutal. É o preconceito de quem é da elite contra o povão, e que a classe média acaba engolindo. Mas foi o povão que construiu essa nação: construções, estradas, fazendas, tudo é feito basicamente por essa grande massa, que arregaça as mangas e trabalha de verdade – recebendo um reconhecimento muito menor do que merece. Preste atenção, preste atenção! Lá fora são milhões e milhões ralando enquanto você fala mal do “brasileiro”. Enquanto isso é por causa do trabalhador rural que você toma café, almoça e janta, é por causa do trabalhador da construção civil que você tem um teto, é por causa do operário que você anda de carro, e assim vai. 

Precisamos lutar, dia a dia, para que a contribuição de todos seja reconhecida e os verdadeiros culpados sejam indicados. Os principais problemas do Brasil não estão só na classe política, mas nos interesses da minoria que ela defende, na falta de fiscalização, nos empresários que usam o Estado a seu favor, nos baixos salários e na desvalorização de nossa identidade e cidadania. Que essas manifestações nas ruas produzam uma nova vontade de mudanças, que nos leve a avançar cada vez mais no rumo de melhores condições de vida para nosso povo tão sofrido.

 

Por Guaracy Araújo.

Retirado de: https://www.facebook.com/GuaracyAraujo/posts/10201030619824235

Leave a comment