21 de junho, 2013: “o gigante acordou” ou “o monstro quer nos engolir”?

nas últimas duas semanas, meus sentimentos em relação ao que vem acontecendo no brasil passaram por uma espécie de montanha-russa, como os da maioria dos que conheço e, uma ou mais vezes, foram as ruas e presenciaram toda a panaceia de coisas que vocês já viram em diferentes canais de notícias.
no início, a esperança. o alento de ver uma cidade, mais uma cidade, sair às ruas reivindicando preço justo para o transporte, ou ainda mais, tarifa zero – o que considero ideal, pois pagamos impostos e os serviços essenciais nos devem ser providos. transporte e direito à cidade fazem parte disso. como reação à crítica midiática de que era muito barulho por 20 centavos, movimentos sociais legítimos, com anos de estrada, e muitas outras pessoas, começaram a mostrar que era muito mais do que isso, que havia e há muitas pautas no brasil a serem resolvidas, debatidas, avançadas.
veio nova violação aos direitos humanos, pelo braço armado repressor policial do estado de são paulo, replicado em tantos outros estados. o problema é que a quina do braço armado acertou no olho da mídia. no centro do plim-plim. e vieram os olhos roxos. seguindo os verdadeiros, os embusteiros. “dói em todos nós”. e eis que, em um segundo, a grande mídia, antes indisposta com um bando de “baderneiros”, separou o povo em duas categorias: o “militante”, prontamente associado ao baderneiro, e o “manifestante”, essa figura “da paz”, que só quer “a nação”, para além de partidos.
o vazio deixado por significantes como “a pátria”, “o país”, “nacionalismo”, “patriotismo”, ou ainda, o mais chave deles, o mais repetido à exaustão, “corrupção”, fez-se ocupar prontamente por novas palavras de ordem. muito prontamente, aqueles “que só querem a melhoria do brasil” tornaram-se indispostos “com todos os partidos”. todos, mesmo, será? quem soube jogar xadrez não apenas tirou sua polícia das ruas, deixando o caminho aberto a todo tipo de barbaridade. a barbárie parecia de encomenda. de um momento para o outro, não mais se entendia de onde partiam os tais atos violentos, os quais, à exaustão, a mídia dizia serem de responsabilidade “apenas de uma pequena parcela” dos que estão nas ruas. entorne-se o caldo, portanto, contra eles. associe-se esse eles prontamente à esquerda. associe-se dilma a um governo “de esquerda” e diga-se que a corrupção no brasil foi inaugurada ontem. o circo estava pronto.
no meu estado, duas manifestações, apenas. a primeira, abraçada pela afiliada da globo sob o signo de um “contra a corrupção”, vinha no jornal do almoço na voz de laine valgas como uma festa do calendário típico: “e florianópolis entra para o calendário nacional de manifestações”, debaixo de um sorriso plástico. estive lá, pelo direito à voz, pensando, ainda, em tantos amigos calados pelo aparelho repressor em estados brasil afora, que se mexiam enquanto nós, em florianópolis, apenas assistíamos pela tv. ledo engano. cheguei em casa me sentindo feliz, mas sem entender como havia sido tão tranquilo “invadir” uma ponte que sempre foi ponto de honra para gestões anteriores com o olhar complacente e até com aplausos de alguns policiais.
“quinta vai ser maior”, era tudo o que pensávamos. a isso, somava-se: “foca na tarifa”, “tarifa zero já”, a clássica pauta de transporte urbano e mobilidade que aflige florianópolis desde sempre. algo de podre, no entanto, rondava: cacau menezes chamava os bróders para a rua. o notícias do dia dava o percurso da manifestação em seu site, coisa nunca feita pelo MPL, pois é prática não só para evitar, justamente, o aparato repressor, como, ainda, para que os participantes definam o rumo do movimento. na universidade, meus alunos e os estudantes de graduação e de pós pintavam cartazes, organizavam a mobilização para que o evento finalmente tivesse um foco, para que o pensamento de esquerda desse as caras. nas enquetes no evento de 40 mil confirmados no facebook, no entanto, delineava-se outra coisa. “sem partidos”. saí da ufsc em um ônibus sem pagar sem muita dificuldade – o motorista abriu a porta traseira e encheu. do titri, partiu outro ônibus, que nos deixou de cara com a assembleia legislativa. eu ainda não tinha a dimensão de que a manifestação tinha se rachado em duas, e virado passeata. andava erraticamente com mais amigos pela lateral da manifestação, procurando gente que não estivesse cantando hino nacional, falando simplesmente de “roubalheira” ou achando que a corrupção, mal endêmico, nasceu ontem e tem cara, uma cara, apenas. muitos estavam focados em feliciano, pauta do momento. muito bem. mas enquanto isso, seguiam um fluxo nefasto.
fico sabendo, hoje, que alunos meus tentaram levar a placa do passe livre à frente dessa comitiva que fluiu pela mauro ramos. foram repudiados pelos que iam à frente da passeata, e ao lado da polícia, que diziam que aquilo era, sim, uma “marcha contra a dilma”, nitidamente mostrando a direção que a captura do movimento havia lhe dado. tentaram avisar – e olhe, são garotos com menos de 18 vendendo lucidez pra muito marmanjo – que algo semelhante se vira em 1964. os “anticorrupção” alegavam desconhecer do que eles falavam.
enquanto isso, nos perguntávamos: “onde está o MPL?”. pelo telefone, a resposta: o MPL havia ido direto para a ponte, com os demais grupos de esquerda, que levantavam suas bandeiras. chegamos às pontes, o grupo com bandeiras vermelhas voltava, ao passo que chegava o grupo “nacionalista” pela beira-mar. encontravam-se os dois. brados de “sem partido” eram respondidos com brados dos que chamaram a manifestação e tinham para ela um foco: “sem tarifa”. a polícia, novamente, só assistia, enquanto alguém aproveitava a “marcha anticorrupção” para vender umas “capas de chuva do paraguai – essas são sem imposto!”. não estou aqui invalidando uma centena de pautas igualmente importantes que se levantaram nos movimentos. no entanto, muitos focos andam redundando em foco nenhum. ou ainda, no aproveitamento de um descontentamento de massas em direção perigosa.
o cansaço, aliado à chuva, ia pegando os militantes que voltavam da ponte para o terminal velho, para deliberar o que fariam: um catracaço no ticen – uma vez que não há sentido protestar contra um transporte sucateado, caro e ineficiente e voltar para casa pagando por ele – ou uma ida à prefeitura (houve quem falasse em ocupação, ideia um tanto inócua quando se está molhado e naquele estado).
cansado e desiludido, triste até os ossos vendo uma manifestação popular se transformar numa final de copa, num planeta atlântida ou num festival de fotos da ponte para o instagram, e mais, vendo que se apropriavam de uma série de inocentes úteis para legitimar a instabilidade gerada país afora, fui para casa. disposto, sim, ao catracaço. ao chegar ao terminal, nova surpresa: os portões abertos. volta para casa de graça para todo mundo. patrocinada por quem? pela prefeitura, que ainda mantém um sistema de transporte precário e ameaça jogá-lo ao domínio de um empresário apenas, com a próxima licitação, de cuja transparência ainda não podemos ter certeza. uma certeza temos, apenas: a família amin, que sempre esteve nos mandos oligárquicos deste feudo chamado santa catarina, tem participação na prefeitura. e parte nas empresas que atualmente fazem nosso transporte coletivo.
voltava para casa pensando: fomos engolidos. os que sempre lutamos, desde 2004, por um novo modelo de cidade, os que apanhamos da polícia em diferentes atos do passe livre deflagrados aqui desde então, os que já acumulamos vitórias e tentamos ampliar um movimento de feição popular e democrática, graças ao “bom trabalho” dos veículos de imprensa e dos oportunistas de plantão que aproveitam tão bem as inclinações dessa massa para levá-la a se achar politizada porque está indo para a rua, porque acordou um gigante que hoje tem mais cara de monstro.
quero muito estar enganado. quero muito acordar do que uma hora pareceu um sonho e hoje parece só incerteza e ameaça. o fascismo, alguém bem disse, é metamórfico. e espraia seus tentáculos a todos os lados, agora.
por ora, tenho a dizer que, nos modelos em que as coisas estão, sem freios e sem rumo, NÃO SAIO MAIS ÀS RUAS. nunca fui o maior defensor dos partidos políticos como os temos, tanto que não sou filiado a nenhum. no entanto, já vimos antes o filme do brasil sem partidos – e ele foi nefasto. precisamos de mais democracia, e não de menos. precisamos de democracia de fato, transparência e participação popular, e uma participação construída com estudo e posicionamento, não ao sabor das ondas e da fugaz criatividade de levantar um cartaz. precisamos, sim, de educação, saúde, transportes, igualdade. mas se a história tem uma lição a nos dar, esta é: não é um regime totalitário que vai nos dar isso.
estejamos alertas, muito alertas, meus amigos.

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Sexta às 19:58

Retirado de: http://www.facebook.com/francalgeorge/posts/10151456989497816

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