Partidários, anti-partidários e bandeiras.

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A insistência dos protestos em serem apartidários tem sua suposta justificativa racional no fato de que parte daquilo contra o que se está protestando é a incapacidade de todos os partidos políticos em serem representantes genuínos dos interesses populares. Neste sentido, os partidos não seriam bem-vindos ao protestos porque eles fazem parte daquilo contra o qual se está protestando. Ao mesmo tempo, haveria o medo de que tais partidos tomassem carona nos protestos e tentassem de forma oportunista associar a mobilização com suas bandeiras e propostas, conquistando ilegitimamente um capital político que não lhes compete. Na verdade, ambas as justificativas são produto de uma consciência política ingênua e imatura.

Em primeiro lugar, ao identificarem os partidos políticos como objeto de sua revolta, os manifestantes recorrem a todo um falso ideário de que existem a sociedade de um lado e a política oficial do outro, de que a sociedade é vítima e os políticos, partidos e instituições são algozes, de que os protestos são expressão de insatisfações e demandas da sociedade, enquanto os políticos, os partidos e as instituições são os obstáculos deste processo. Não passa pela cabeça dos manifestantes que a situação atual se deve à sua própria indiferença e cumplicidade com a política corrupta e fisiológica e que esta é uma oportunidade de se reapropriarem dos partidos e instituições e darem a eles nova cara e novo sentido. Pelo contrário, é preciso manter os partidos e instituições do lado de fora, do lado de lá, da risca imaginária para frente, para que os culpados possam ser enunciados sempre na terceira pessoa. Trata-se de uma tentativa de fazer política sem se envolver com a política, é uma negação irônica da política durante o próprio ato de manifestar-se politicamente. É outra versão da atitude de não se envolver com política, outro ato de negação do engajamento: em vez de negar-se a agir politicamente, negar-se a reconhecer-se como agente político.

Em segundo lugar, esta atitude é motivada por um medo obsessivo da contaminação e da divisão. É como se o movimento fosse algo imaculadamente puro e irrevogavelmente unitário. Não pode se envolver com nada externo a ele, com nada que lembre a política velha que ele quer contestar. Não que ele tenha alguma alternativa a esta política, não que ele proponha alguma outra forma de realizar suas demandas. Pelo contrário, ainda é para o poder público oficial que ele as formula e dele que espera providências no sentido de realizá-la. O que quer dizer que, no ato mesmo de produzir poder social de pressão, ainda reconhece nos representantes da política velha o poder de decidir. Mas, se é assim, se a política velha ainda é, bem ou mal, a via de que dispomos, não seria melhor se apropriar dela do que negá-la? Que fantasia é este de pureza em que não podemos nos contaminar pelo contato, como se acaso fôssemos puros e isentos de culpa pela situação atual? O mesmo se aplica para a unidade. O movimento se afirma como democrático, mas é animado por um espírito tão fascista que não pode admitir divisões em seu corpo. Inclusive se envolve em expressões desgastadas de patriotismo porque supostamente o Brasil é tudo que está em jogo. E não é. Trata-se também de um momento para reconhecermos nossas diferenças, que nossas insatisfações e demandas são distintas, que nossas ideologias, medos e esperanças são distintas e que tudo bem ser assim, porque dispomos da democracia para dar conta de nossas diferenças e para negociarmos formas consensuais, tolerantes e inclusivas de convivência.

Quando vemos os manifestantes partidários de legendas ou de causas específicas serem agredidos e expulsos das manifestações, ficam claras duas impressões. A primeira é de que o movimento ainda está em processo de aprendizado sobre o que significa viver sob pluralismo e democracia. A segunda é de que ele está tão seduzido e apaixonado por uma imagem de si como neutro e unido que está disposto aos mais odiosos atos de exclusão e de violência para não ter esta autoimagem comprometida.

Texto escrito por: André Coelho.

https://www.facebook.com/andrelscoelho/posts/10201405964376714

Imagem retirada de: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=625889667424355&set=a.491350500878273.117840.491326247547365&type=1&theater

Meu partido não é o Brasil, nem o seu deveria ser.

Gente, para um pouco agora. Pensa. Pensa no que está acontecendo nas ruas, pensa nas mensagens que estão sendo ditas. Pensa no sentimento que está ganhando forma. Enquanto você reflete aí, me responde: o que é uma democracia? Já volto nisso.

Passando pela Paulista hoje, o clima de carna-protesto me deixou meio tenso. Vi dezenas, senão centenas, de pessoas com cartazes exibindo diferentes mensagens. A maioria era inofensiva, da cura gay, passando pela PEC 37 [recomendo ler “PEC 37: o que é? Ou: é bom se manifestar, mas é preciso pensar“], até fora corruptos.

carna-protesto

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“Ê farra boa!”

Mas tinha uma minoria de mensagens que sempre ganhava mais força nos gritos de ordem. “Ei, , vai tomar no cu.” Ou, “Ei, , vai se fuder, o nosso movimento não precisa de você.” Faixas grandes exibiam em letras garrafais “O MEU PARTIDO É O BRASIL”, ou “Eu sou apartidário”. Ou ainda coisas esdrúxulas como a hostilização dos profissionais de imprensa. As pessoas estão gritando nas ruas que não precisam dos jornalistas.

Hoje, em Brasília, pessoas tacaram fogo no Itamaraty enquanto tentavam invadir o prédio. No Rio, a população entrou em confronto direto com a polícia. Em Porto Alegre, alguns tentavam saquear o centro. Em Ribeirão Preto uma família acabou de perder seu filho, morto atropelado durante a manifestação.

Não, gente. Assim não.

Não, gente. Assim não.

Se você juntar todas essas mensagens elas descrevem uma realidade muito perigosa, que começa a tomar forma nas entrelinhas desse movimento que está atravessando o Brasil. Sabe quais nações não têm partido e onde a imprensa não existe? As pessoas estão pedindo as cabeças dos políticos sem entenderem que, no processo, podem estar sacrificando uma coisa que a geração anterior trabalhou muito duro para conseguir. A nossa democracia.

"Passeata dos 100 mil", em 1968

“Passeata dos 100 mil”, em 1968

Então, me diz aí, o que é uma democracia? Passa rapidinho na Wikipédia e volta aqui.

Agora me diz, com toda a honestidade que nos é capaz de reunir, quem foi que colocou no poder os representantes que administram o país? Você se lembra do candidato a vereador que você votou na última eleição? E deputado? Senador?

Pois é. Se o Brasil está do jeito que está, hoje, é corresponsabilidade nossa. Fomos nós que colocamos esses caras lá. E se você não votou em nenhum deles, você não representa a maioria, não nessas eleições. Numa democracia, é preciso respeitar a vontade da maioria. Por quê? Por que a via contrária é a repressão, o autoritarismo, a unidade de ideias, sob uma única bandeira. Soa familiar?

Não adianta gritar nas ruas que esse partido ou aquele não presta, e que não precisamos de representantes. Precisamos sim. Não seja idiota. Quanto mais tivermos pluralidade de vozes, mais longe estaremos do controle absoluto de uma minoria.

Na Paulista, hoje, uma massa mandava o pessoal dos partidos irem tomar no cu. Jogavam latas, garrafas e vaiavam. Vaiavam muito. Esses militantes partidários, ao revidarem as hostilizações, recebiam mais vaias sob os gritos de “SEM VIOLÊNCIA.” Como pode uma coisa assim?

Se você se sentiu no direito de ir se manifestar, porque os militantes dos partidos não podem? Não é esse o direito ao qual nos referimos quando queremos nos organizar? Qualquer pessoa tem o direito de ir para as ruas e dizer o que pensa, seja ela ligada a alguma bandeira ou não. E quanto mais bandeira tivermos, melhor.

Agora, prestem atenção em onde isso pode parar. Esse movimento apartidário pode rapidamente ser capturado por minorias que querem exercer sua vontade sobre a maioria. A propriedade privada fica ameaçada. Nem a polícia consegue segurar. Daqui a pouco vão começar a pedir a presença do exército nas ruas. E se isso acontecer, meu amigo, fudeu.

Já ouviu falar no Estado de Exceção?

Não? Vai lendo.

É a suspensão temporária dos direitos e garantias constitucionais. Por quê? Porque se as pessoas continuarem a se sentirem no direito de invadir espaços públicos, a quebrar e saquear lojas e a exigir a cabeça dos representantes que elas mesmas elegeram, caracteriza-se a implosão da democracia.

Nessa hora, alguém (com uma patente bem alta, pode apostar) vai ter que tomar decisões muito rapidamente para reestabelecer a ordem para proteger o Estado. Não será por meio de votação. Não será pelos três poderes. Não será nas urnas. Será na porrada, no toque de recolher, na privação de correspondência. Já pensou se de uma hora pra outra bloqueiam o acesso ao querido Facebook e Twitter? Pergunte aos chineses o que eles acham disso.

Não, gente. Não é isso que queremos. Tá na hora de parar e pensar no que está acontecendo. Não dá pra ir pra rua pra ser massa de manobra. Pensa no país que você quer, não no país que te parece em um primeiro momento melhor. Se você não quer passar pelo que seus pais passaram, a hora é agora.

Só saio às ruas agora quando realmente existir um motivo para protestar. Me chamem quando essa palhaçada de “meu partido é o Brasil”, leia-se, “totalitarismo”, acabar. Meu compromisso é com a democracia, não com essa perigosíssima imbecilidade.

* * *

Nota editorial: texto originalmente publicado ontem, no blog Bitcount.

Edição: Essa última parte do texto tem gerado uma certa confusão que foi gentilmente levantada por pessoas que tiveram a boa vontade de vir aqui comentar. Gostaria de deixar claro que não sou a favor de as pessoas ficarem em casa com medo e saírem apenas no dias das eleições. Esse não é o espírito do texto. Sou a favor de protestos que tenham objetivos claros, como esse que começou objetivando a redução das passagens de ônibus e teve êxito. O que não pode é que grupos menores usurpem do ímpeto popular para instaurar uma agenda que não representa os anseios do povo. Se for pra ser assim, é melhor ir às reuniões estudantis, discutir com os amigos e promover debates na internet… até que se encontre um motivo palpável para o movimento. E ei, essa é a minha opinião. Discorda? Vamos conversar pacificamente na área de comentários.

Edição 2: Uma versão anterior do texto dizia que o rapaz de Ribeirão Preto foi “atropelado pela manifestação”. Essa informação não é a mais adequada. O texto foi alterado para “atropelado durante a manifestação”. Obrigado, Julliane Silveira!

Por Marco Túlio Pires

Retirado de: http://papodehomem.com.br/meu-partido-nao-e-o-brasil-nem-o-seu-deveria-ser/