‘Não há problemas técnicos nem financeiros pra implantar a Tarifa Zero’

Após provocar uma semana de históricas convulsões sociais que continuam chacoalhando o país, o Movimento Passe Livre obteve sua primeira vitória em praticamente dez anos de luta contra os preços e reajustes das tarifas do transporte coletivo.

Para analisar o assunto, que seguirá em foco, o Correio da Cidadania entrevistou Lucio Gregori, ex-secretário de transportes de Luiza Erundina e um dos precursores do projeto Tarifa Zero, no mandato petista na cidade de São Paulo da virada dos anos 80 para os 90.

Para ele, não restam dúvidas de que o passe livre não é nenhuma utopia de jovens “vândalos” e “desocupados”, como gostava de cunhar a mídia, até ser posta de joelhos e mudar seu tom. Inclusive, a extinção da tarifa reduziria outros custos operacionais em geral excluídos do debate.

Por fim, escancara um impressionante detalhe que continua despercebido: a Lei de Mobilidade Urbana, sancionada pela presidente Dilma. “De acordo com essa lei, os contratos de concessão podem ter duas tarifas: a tarifa de remuneração ao empresário, que corresponde ao custo operacional do serviço; e também a tarifa pública, aquela que o usuário paga. Ou seja, a tarifa pública é decidida pelo poder público”, explica. Isso significa que zerá-la é uma questão de vontade política, que sequer deixaria de remunerar o concessionário.

A entrevista completa com Lucio Gregori pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Como você tem visto os atuais protestos por todo o país, que tiveram como propulsores a luta por menores tarifas de transporte (ou tarifa zero), ao lado das melhores condições de transporte?

Lucio Gregori: Penso que, finalmente, está se fazendo uma pauta de discussão sobre os transportes coletivos no Brasil, que são muito ruins e caros, razão pela qual a grande maioria das cidades brasileiras apresenta enormes congestionamentos, altos níveis de poluição e acidentes de trânsito.

Finalmente, os jovens do Movimento Passe Livre (MPL), e outros movimentos políticos e sociais, conseguiram pautar o assunto.

Particularmente, mostraram que, sem transporte bom, e acessível a todos (portanto, fortemente subsidiado, no limite chegando à tarifa zero, a ser patrocinada pela sociedade, tal qual a saúde, educação e segurança públicas), nós não vamos progredir neste terreno.

Correio da Cidadania: Como surgiu a ideia da tarifa zero, à época da gestão Erundina?

Lucio Gregori: Por duas coisas muito simples. Primeiro que a tarifa, pra ser arrecadada, já tem um custo. Uma parte do gasto técnico e estrutural pra arrecadá-la já é algo mal resolvido. Em segundo, a própria catraca do ônibus ocupa três ou quatro lugares, diminuindo a oferta do transporte. Em terceiro, a tarifa no Brasil é altíssima para que as pessoas sem recursos suficientes possam realmente usufruir o que a cidade oferece.

Foi proposta uma reforma tributária pela prefeitura daquela época, uma reforma progressiva, no sentido de “paga mais quem tem mais, paga menos quem tem menos, não paga nada quem não tem nada”. Com isso, seria feito um fundo, que bancaria a gratuidade, sem prejuízo dos outros serviços da prefeitura. Essa proposta foi aprovada por 76% da população, em novembro de 1990, em pesquisa feita pelo Instituto Toledo e Associados.

Fica claro que quando o assunto é bem colocado e discutido, a população compreende muito bem e se mostra interessada em ter a tarifa subsidiada.

Correio da Cidadania: Qual a relação da atual luta pelo passe livre com essa ideia da tarifa zero? Trata-se esta atual luta de uma resposta à derrota da tarifa zero no passado?

Lucio Gregori: Creio que, nesse sentido, houve um grande avanço. Porque, bem ou mal, no caso da tarifa zero com a Erundina, foi uma iniciativa de governo. E talvez, a despeito do apoio de movimentos populares na época à tarifa zero, como não se notava tanta corrupção, como hoje em dia, a Câmara dos Vereadores se deu o direito de não aprovar o projeto.

No entanto, creio que tais manifestações são fruto de um trabalho longo. Eu convivo com os jovens do MPL há oito anos, pelo Brasil afora, fazendo palestras, debates, e eles adotaram a ideia do passe livre universal (inicialmente, passe livre estudantil). Eles estudam muito, são muito preparados a respeito do assunto, razão pela qual os governantes, tanto Haddad quanto Alckmin, foram incapazes de dar um encaminhamento positivo logo no início. E, agora, as manifestações já escaparam completamente de seu propósito inicial.

Importante foi o apoio popular, como mostraram as pesquisas, com pelo menos 60% das pessoas apoiando as manifestações pelo passe livre.

Correio da Cidadania: Há condições técnicas efetivas para já viabilizar esse objetivo, ou seja, partir do recuo no aumento de tarifas para a tarifa zero?

Lucio Gregori: Não há mistério algum nisso, condições técnicas mais do que existem. Basta ofertar a quantidade necessária de veículos para transportar uma demanda que vai crescer muito, porque a tarifa represa a demanda, e o sistema funciona normalmente, a exemplo da coleta de lixo, que não é paga diretamente. Não existe problema algum em fazer a tarifa zero. Simplifica muitas coisas, não precisa ter controle de arrecadação, controle digital (como querem fazer com o bilhete único em SP). Isso é muito mais complicado, custa dinheiro até para organizar a forma de arrecadação, dificultando a vida de todo mundo.

E do ponto de vista operacional, tampouco seriam necessários terminais de ônibus separando quem pagou de quem não pagou. Portanto, o  único problema é convencer aqueles que têm mais dinheiro na sociedade a ajudarem aqueles que não têm tanto dinheiro. É isso.

Correio da Cidadania: A mídia comercial, por exemplo, e também o governo, já insistem nas medidas ortodoxo-financeiras, salientando a necessidade de aumento de impostos e/ou redução de investimentos para diminuir as tarifas, dentre outros. Ao mesmo tempo, sabemos das quantias astronômicas gastas com o serviço da dívida do município, fruto de uma renegociação feita de modo lesivo aos interesses municipais. O que diria quanto às condições financeiras das prefeituras, a de São Paulo, no caso, para levar adiante o passe livre?

Lucio Gregori: A verdade é a seguinte: não defendo aumento de imposto. Defendo justiça de imposto. Paga mais quem tem mais, paga menos quem tem menos. E em vários lugares não é sequer necessária uma reforma tributária. Há, ainda, outros mecanismos hoje disponíveis para uma engenharia financeira sem muito mistério. O Brasil gasta 150 bilhões de reais por ano em juros e, quando aumenta a taxa de juros em 0,75 por cento, gasta 20 bilhões de reais a mais por ano.

Portanto, tenhamos um pouco mais de seriedade nos debates, senão fica uma discussão de “competência técnica”, disso e daquilo outro, que no fundo esconde o interesse daqueles que têm muito dinheiro neste país e não querem dar um pouco da enorme parte que possuem.

Até aqui o Haddad não falou muita ‘coisa com coisa’ a respeito da dívida municipal. Eu tenho sugestões para a tarifa zero, mas não fui eleito prefeito pra resolver esse problema financeiro da cidade. O Haddad é que foi. E o Alckmin também, no caso, eleito governador. Portanto, eles têm de encontrar saídas. Possuem um aparato técnico gigantesco que pode ajudar na formulação. Se quiserem ajuda externa, podem nos chamar, de graça.

Mas não somos nós, que não fomos eleitos, quem temos de fazer todo esse equacionamento.

Correio da Cidadania: Uma última palavra a respeito do peso dos subsídios às empresas concessionárias na composição da tarifa: uma revisão dessas taxas não seria essencial, especialmente agora que se anunciou a queda da tarifa? Não seria este o caminho alternativo lógico aos aludidos cortes nos investimentos, tal qual já anunciaram tanto Alckmin quanto Haddad?

Lucio Gregori: Nesse sentido, cabem algumas colocações. Primeiramente, a forma com que ambos, governador e prefeito, anunciaram a revogação, quase punitiva: ‘abaixamos, mas vocês pagarão por isso’, é a primeira impressão. Foram declarações que apequenaram o gesto deles.

Em relação aos subsídios, não tenho em mãos planilhas e números do governo estadual e da prefeitura. Mas posso levar mais em consideração os ônibus, cujo esquema de gestão conheço mais. Sobre os trens e metrô, deixo um pouco mais de lado, pois nunca vi números e tabelas oficiais.

Sobre os ônibus, inicialmente a pergunta é: qual a taxa de remuneração de capital dos concessionários? Sabemos que são empresas gigantes, com frotas de 4, 5 mil ônibus no Brasil todo, muito poderosas economicamente. Impor, ao menos temporariamente, uma redução do lucro de tais empresas simplesmente não prejudicaria ninguém, nem usuários nem concessionários. Eles têm muita robustez econômica, de modo que seria o mais sensato, ao menos enquanto não se realizam debates maiores com a sociedade, segurar um pouco a taxa de lucro deles. Sem dúvidas, reduzir essa lucratividade não traria nada de anormal pra eles, não haveria nenhum prejuízo.

Agora, precisamos debater outro ponto mais a fundo: como, realmente, funcionam as concessões das empresas de ônibus? O secretário dos transportes explicou que 50% da remuneração aos empresários se dão pelo custo operacional, ou seja, aquele investimento que faz os veículos circularem, custeando seus pneus, gasolina, trabalhadores etc. Os outros 50% vêm por usuário transportado. Ora, se o custo operacional já está pago, o custo marginal de um passageiro é nulo, ou seja, os ônibus custarão aquilo que é o custo operacional do sistema. Transportem passageiros ou não. Já está pago tal custo.

Diante disso, podemos dizer que é preciso discutir mais amplamente esse modelo contratual. É indispensável fazer uma ampla discussão sobre o modelo contratual em São Paulo.

Por fim, é preciso dizer algo importante: hoje em dia, existe a Lei de Mobilidade Urbana, que foi sancionada pela própria presidente Dilma. De acordo com essa lei, os contratos de concessão podem ter duas tarifas: a tarifa de remuneração ao empresário, que corresponde ao custo operacional do serviço; e há também a tarifa pública, isto é, aquela que o usuário paga. Ou seja, a tarifa pública é decidida pelo poder público, independentemente da tarifa de remuneração.

A tarifa que garante o equilíbrio do contrato é a de remuneração. A tarifa pública é decidida pelo poder público. A tarifa pública (valor a ser pago pelo usuário) poderia, portanto, ser decidida pelo poder público. E a prefeitura ou governo estadual podem, inclusive, decidir cobrar mais caro do usuário, caso pretendam arrecadar mais – o que de modo algum é o caso. Ou podem decidir que a tarifa pública é, no limite, zero. Esquema esse que não tem nada a ver com o custo da operação, que já está garantido pela tarifa de remuneração. Depende só do poder público cobrar ou não essa tarifa. Quem não entendeu pode perguntar: mas de onde vem a remuneração ao empresário? Através do pagamento feito pelo poder público que o contratou. E isso, obviamente, não tem nenhuma relação com o número de passageiros transportados, nos termos falados pelo secretário de transportes, como acima citado.

É tudo tão óbvio! Não dá pra acreditar como essa lei não está sendo levada em conta. O poder público não poderia decidir isso exclusivamente em seu âmbito, com seus técnicos e administradores, sem debate algum com a sociedade. Onde está a democracia participativa? Não podemos debater essas questões todas com os governantes? Por quê?

Portanto, ter ainda de trazer à mesa a questão da Lei de Mobilidade Urbana é sinal notório de como estamos completamente atrasados em todo esse debate a respeito dos transportes coletivos em São Paulo.

Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader.

Retirado de: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8507%3Amanchete210613&catid=63%3Abrasil-nas-ruas&Itemid=200

21 de junho, 2013: 1 e 1/5

Aqui em Floripa tivemos duas manifestações, ou melhor, 1 e 1/5, porque na segunda delas, ontem, muito pouca gente realmente se manifestou. Digo pouca e não nenhuma porque ouvi dizer que um grupo pequeno tentou, depois que os “manifestantes” desinteressados foram embora, realmente ocupar a ponte (e não apenas passear turisticamente por ela). É claro que esse grupo apanhou da polícia, pois saía do esquemão pré-aprovado de manifestação (coisa bizarra é uma manifestação pré-aprovada, não?). Não tenho confirmação dessa informação, infelizmente eu já tinha ido embora decepcionada e não achei nada aqui pelo face. Se alguém tiver informações, agradeço…
Fora esse episódio, em geral, ontem foi um dia triste, com cara de fim de sonho. Parecia final de jogo, saída de estádio (o maridão até gritou um sarcástico “Furacão!” em homenagem ao nosso amado Atlético Paranaense, tirando sarro da postura dos “manifestantes”). Era triste ver as pessoas andando sem rumo, sem cartazes e sem canções, os poucos gritos eram os tão falados “sem partido”. O que, diga-se de passagem, é completamente incompatível com os “Fora Dilma” que se via por lá. Fora Dilma significa a volta do que já foi, como se FHC, Sarney, Aécio, Alckmin, etc fossem melhores? Não, não eram melhores, mas talvez também não eram piores, porque o que se tem parece exatamente a mesma coisa que se tinha. São eles mesmos que estão por aí, pois ela está com eles. E essa é provavelmente a maior derrota da esquerda no Brasil: ver o PT virar o PSDB. 
Outra coisa muito incongruente com os gritos de fora partido é a demonstração de patriotismo da marcha. Na terça-feira, eu havia (ingenuamente, agora eu sei) interpretado esses gritos como uma manifestação de rebelião anárquica, contra o sistema político “democrático” que diz nos representar. Mas agora concordo com as leituras que interpretam esses gritos como fascistóides e apolíticos, no pior sentido que o termo pode ter. Ainda mais quando conjugados com os orgulhos de ser brasileiro que eram entoados em tom xenofóbico. Num momento desses, eu cantei “sou brasileiro, sem muito orgulho, mas com muito amor”, e um moleque de 15 anos me olhou com os olhos esbugalhados como se eu fosse uma herege. Cantei sem orgulho porque pra mim sentir orgulho de nação é sentir orgulho de todo o projeto de exclusão que ela envolve, é mesmo etnocentrismo. O que é orgulho senão raiz de fascismo? Mais que isso, o que significa ser brasileiro, quando os primeiros brasileiros são assassinados pelos ruralistas Brasil afora, quando veem suas terras inundadas por Belo Montes da vida sob a cumplicidade calada dos outros brasileiros todos? Essa cumplicidade é tão calada que numa manifestação dessas, enquanto vivenciamos um lento genocídio indígena, pouquíssimos cartazes falam a respeito. E olha que Florianópolis está cercada de aldeias e de confrontos, como os que enfrentam os Guarani, da região de Palhoça. Mais que isso, não é preciso nem sair do centro da cidade, basta caminhar pelo calçadão da Felipe Schmidt, pra ver como os governos catarinenses tentaram transformar indígenas em mendigos pedindo esmolas, comidas e roupas, tentando vender seu lindíssimo artesanato, como seres invisíveis aos olhos dos passantes apressados. 
Mas muito além da questão indígena, porque podem dizer que não era a pauta da manifestação (ainda que eu ache que pauta é uma coisa ridícula até no jornalismo, quem dirá numa manifestação…), é preciso sempre e ainda resgatar a questão do transporte, o estopim disso tudo. Eu não vi cartazes, entrevistas ou gritos de guerra sobre o lucro das empresas de ônibus. Poxa, não basta abaixar o valor da tarifa apenas aumentando o subsídio do governo com o nosso próprio dinheiro dos impostos, é preciso mexer no faturamento líquido bizarro dessas empresas e obrigá-las a melhorar a qualidade do transporte. Mais que isso, é preciso que ele seja realmente público e de qualidade. Se a tarifa é tão alta no Brasil é porque o custo dessas empresas é muito baixo (daí sua qualidade ser tão ruim) e o seu lucro enorme. Como preveem os “lindos” contratos dos governos (de diferentes instâncias) com as empresas terceirizadas no Brasil, trabalhar para o governo é um jeito de ficar muito rico ilicitamente. Transporte, saúde e educação, serviços que são um direito do povo, precisam ser públicos. E pra quem diz que tarifa zero é utopia, basta uma googlada pra ver muitos exemplos pelo mundo; eu presenciei um deles no centro de Seattle, onde o ônibus (em ótimo estado) era gratuito.
Sobre os manifestos contra a Copa e a Fifa eu concordo em número, gênero e grau. A Copa é um ótimo exemplo dos valores invertidos no investimento estatal. E isso também ficou muito claro durante os manifestos, quando a polícia, sob o comando da Fifa e de suas marionetes governamentais, impediu, da forma mais violenta possível, que os manifestantes de BH tentassem chegar no Mineirão. O estádio é mais importante que qualquer coisa, inclusive que a vida e a integridade física da piazada se manifestando. Mais importante até do que os doentes em um hospital. Pois (se eu não me engano foi no Rio) a polícia jogou bombas de gás num hospital em pleno funcionamento só porque manifestantes (muitos deles, feridos) tentavam abrigo. Quer dizer, um estádio deve ser protegido, um hospital bombardeado. Como diziam alguns cartazes, “quando seu filho ficar doente, vá ao estádio”.
Acho que os exemplos de luta, no país todo, me fazem sair com otimismo disso tudo, mesmo após a decepção de ontem. Nada apaga a beleza daquela larva de gente tomando a ponte aos berros na terça-feira, nada apaga a verdade do grito de que, pelo menos naquele momento, a “Ilha da Magia é do povo e não da burguesia”, nada apaga o fato de que paramos a cidade, de que paramos muitas cidades. E isso, no final das contas, é o que mais importa: quebrar o ritmo da vidinha linear, desnaturalizar o cotidiano sofrido das pessoas. Mostrar que tem algo de muito errado, mesmo que não se saiba o que exatamente é o certo e como se chega lá. O que interessa é o irrepresentável da coisa toda, o contato dos corpos, e o corpo na rua.
E esse corpo não era tão pacífico assim, não como a mídia tentou vender, porque por essa mesma ponte fechada, por essa mesma catraca pulada, a galera que há quase uma década luta por uma vida sem catracas já apanhou muito; e se não apanhou dessa vez era porque tinha muita gente na rua, porque o governo, a classe dominante e a mídia viu que não tinha saída, que a massa não poderia ser contida, nem com toda a violência profissionalizada da PM do Alckmin, quem dirá da PM fracote do Colombo. De maneira tal que a Globo e todos os setores reacionários da sociedade preferiram se apropriar do movimento. 
Mas isso não é novidade pra ninguém. A apropriação da resistência faz parte do capitalismo, estão aí a imagem do Che, a moda punk, a revolução russa (apropriada pelo capitalismo burocrático stalinista), entre muitos outros, pra provar isso. Mas também faz parte da multidão – e é isso que, me parece, precisamos ter em mente agora – se refazer em inúmeras formas informes. Por isso é rebelião e não revolução. Por isso as demandas serem tão plurais, elas mesmas inapropriáveis (mesmo com a redução da tarifa, a demanda não acaba nunca). Plural e inapropriável também é a multidão, porque singular e plural, um a um, com suas singularidades, mas também uma coisa só, sem forma. Uma larva e não uma massa, mesmo que pareça massa de manobra, mesmo que se queira massa de manobra, ela nunca será isso, porque é múltipla demais, plural demais, rizomática demais. E pra mim é isso que vai ficar! Pra mim, é isso que aquela foto linda da manifestação de terça-feira (que eu não tenho ideia de quem tirou) mostra. É essa imagem que eu vou guardar, e é por essa imagem que a rua tem que ser tomada, muitas e muitas vezes. Seja lá qual for o governo, seja lá qual for a demanda…

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Sexta às 20:01

 

Retirado de: http://www.facebook.com/anacarolina.cernicchiaro/posts/10151544660933337