‘Não há problemas técnicos nem financeiros pra implantar a Tarifa Zero’

Após provocar uma semana de históricas convulsões sociais que continuam chacoalhando o país, o Movimento Passe Livre obteve sua primeira vitória em praticamente dez anos de luta contra os preços e reajustes das tarifas do transporte coletivo.

Para analisar o assunto, que seguirá em foco, o Correio da Cidadania entrevistou Lucio Gregori, ex-secretário de transportes de Luiza Erundina e um dos precursores do projeto Tarifa Zero, no mandato petista na cidade de São Paulo da virada dos anos 80 para os 90.

Para ele, não restam dúvidas de que o passe livre não é nenhuma utopia de jovens “vândalos” e “desocupados”, como gostava de cunhar a mídia, até ser posta de joelhos e mudar seu tom. Inclusive, a extinção da tarifa reduziria outros custos operacionais em geral excluídos do debate.

Por fim, escancara um impressionante detalhe que continua despercebido: a Lei de Mobilidade Urbana, sancionada pela presidente Dilma. “De acordo com essa lei, os contratos de concessão podem ter duas tarifas: a tarifa de remuneração ao empresário, que corresponde ao custo operacional do serviço; e também a tarifa pública, aquela que o usuário paga. Ou seja, a tarifa pública é decidida pelo poder público”, explica. Isso significa que zerá-la é uma questão de vontade política, que sequer deixaria de remunerar o concessionário.

A entrevista completa com Lucio Gregori pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Como você tem visto os atuais protestos por todo o país, que tiveram como propulsores a luta por menores tarifas de transporte (ou tarifa zero), ao lado das melhores condições de transporte?

Lucio Gregori: Penso que, finalmente, está se fazendo uma pauta de discussão sobre os transportes coletivos no Brasil, que são muito ruins e caros, razão pela qual a grande maioria das cidades brasileiras apresenta enormes congestionamentos, altos níveis de poluição e acidentes de trânsito.

Finalmente, os jovens do Movimento Passe Livre (MPL), e outros movimentos políticos e sociais, conseguiram pautar o assunto.

Particularmente, mostraram que, sem transporte bom, e acessível a todos (portanto, fortemente subsidiado, no limite chegando à tarifa zero, a ser patrocinada pela sociedade, tal qual a saúde, educação e segurança públicas), nós não vamos progredir neste terreno.

Correio da Cidadania: Como surgiu a ideia da tarifa zero, à época da gestão Erundina?

Lucio Gregori: Por duas coisas muito simples. Primeiro que a tarifa, pra ser arrecadada, já tem um custo. Uma parte do gasto técnico e estrutural pra arrecadá-la já é algo mal resolvido. Em segundo, a própria catraca do ônibus ocupa três ou quatro lugares, diminuindo a oferta do transporte. Em terceiro, a tarifa no Brasil é altíssima para que as pessoas sem recursos suficientes possam realmente usufruir o que a cidade oferece.

Foi proposta uma reforma tributária pela prefeitura daquela época, uma reforma progressiva, no sentido de “paga mais quem tem mais, paga menos quem tem menos, não paga nada quem não tem nada”. Com isso, seria feito um fundo, que bancaria a gratuidade, sem prejuízo dos outros serviços da prefeitura. Essa proposta foi aprovada por 76% da população, em novembro de 1990, em pesquisa feita pelo Instituto Toledo e Associados.

Fica claro que quando o assunto é bem colocado e discutido, a população compreende muito bem e se mostra interessada em ter a tarifa subsidiada.

Correio da Cidadania: Qual a relação da atual luta pelo passe livre com essa ideia da tarifa zero? Trata-se esta atual luta de uma resposta à derrota da tarifa zero no passado?

Lucio Gregori: Creio que, nesse sentido, houve um grande avanço. Porque, bem ou mal, no caso da tarifa zero com a Erundina, foi uma iniciativa de governo. E talvez, a despeito do apoio de movimentos populares na época à tarifa zero, como não se notava tanta corrupção, como hoje em dia, a Câmara dos Vereadores se deu o direito de não aprovar o projeto.

No entanto, creio que tais manifestações são fruto de um trabalho longo. Eu convivo com os jovens do MPL há oito anos, pelo Brasil afora, fazendo palestras, debates, e eles adotaram a ideia do passe livre universal (inicialmente, passe livre estudantil). Eles estudam muito, são muito preparados a respeito do assunto, razão pela qual os governantes, tanto Haddad quanto Alckmin, foram incapazes de dar um encaminhamento positivo logo no início. E, agora, as manifestações já escaparam completamente de seu propósito inicial.

Importante foi o apoio popular, como mostraram as pesquisas, com pelo menos 60% das pessoas apoiando as manifestações pelo passe livre.

Correio da Cidadania: Há condições técnicas efetivas para já viabilizar esse objetivo, ou seja, partir do recuo no aumento de tarifas para a tarifa zero?

Lucio Gregori: Não há mistério algum nisso, condições técnicas mais do que existem. Basta ofertar a quantidade necessária de veículos para transportar uma demanda que vai crescer muito, porque a tarifa represa a demanda, e o sistema funciona normalmente, a exemplo da coleta de lixo, que não é paga diretamente. Não existe problema algum em fazer a tarifa zero. Simplifica muitas coisas, não precisa ter controle de arrecadação, controle digital (como querem fazer com o bilhete único em SP). Isso é muito mais complicado, custa dinheiro até para organizar a forma de arrecadação, dificultando a vida de todo mundo.

E do ponto de vista operacional, tampouco seriam necessários terminais de ônibus separando quem pagou de quem não pagou. Portanto, o  único problema é convencer aqueles que têm mais dinheiro na sociedade a ajudarem aqueles que não têm tanto dinheiro. É isso.

Correio da Cidadania: A mídia comercial, por exemplo, e também o governo, já insistem nas medidas ortodoxo-financeiras, salientando a necessidade de aumento de impostos e/ou redução de investimentos para diminuir as tarifas, dentre outros. Ao mesmo tempo, sabemos das quantias astronômicas gastas com o serviço da dívida do município, fruto de uma renegociação feita de modo lesivo aos interesses municipais. O que diria quanto às condições financeiras das prefeituras, a de São Paulo, no caso, para levar adiante o passe livre?

Lucio Gregori: A verdade é a seguinte: não defendo aumento de imposto. Defendo justiça de imposto. Paga mais quem tem mais, paga menos quem tem menos. E em vários lugares não é sequer necessária uma reforma tributária. Há, ainda, outros mecanismos hoje disponíveis para uma engenharia financeira sem muito mistério. O Brasil gasta 150 bilhões de reais por ano em juros e, quando aumenta a taxa de juros em 0,75 por cento, gasta 20 bilhões de reais a mais por ano.

Portanto, tenhamos um pouco mais de seriedade nos debates, senão fica uma discussão de “competência técnica”, disso e daquilo outro, que no fundo esconde o interesse daqueles que têm muito dinheiro neste país e não querem dar um pouco da enorme parte que possuem.

Até aqui o Haddad não falou muita ‘coisa com coisa’ a respeito da dívida municipal. Eu tenho sugestões para a tarifa zero, mas não fui eleito prefeito pra resolver esse problema financeiro da cidade. O Haddad é que foi. E o Alckmin também, no caso, eleito governador. Portanto, eles têm de encontrar saídas. Possuem um aparato técnico gigantesco que pode ajudar na formulação. Se quiserem ajuda externa, podem nos chamar, de graça.

Mas não somos nós, que não fomos eleitos, quem temos de fazer todo esse equacionamento.

Correio da Cidadania: Uma última palavra a respeito do peso dos subsídios às empresas concessionárias na composição da tarifa: uma revisão dessas taxas não seria essencial, especialmente agora que se anunciou a queda da tarifa? Não seria este o caminho alternativo lógico aos aludidos cortes nos investimentos, tal qual já anunciaram tanto Alckmin quanto Haddad?

Lucio Gregori: Nesse sentido, cabem algumas colocações. Primeiramente, a forma com que ambos, governador e prefeito, anunciaram a revogação, quase punitiva: ‘abaixamos, mas vocês pagarão por isso’, é a primeira impressão. Foram declarações que apequenaram o gesto deles.

Em relação aos subsídios, não tenho em mãos planilhas e números do governo estadual e da prefeitura. Mas posso levar mais em consideração os ônibus, cujo esquema de gestão conheço mais. Sobre os trens e metrô, deixo um pouco mais de lado, pois nunca vi números e tabelas oficiais.

Sobre os ônibus, inicialmente a pergunta é: qual a taxa de remuneração de capital dos concessionários? Sabemos que são empresas gigantes, com frotas de 4, 5 mil ônibus no Brasil todo, muito poderosas economicamente. Impor, ao menos temporariamente, uma redução do lucro de tais empresas simplesmente não prejudicaria ninguém, nem usuários nem concessionários. Eles têm muita robustez econômica, de modo que seria o mais sensato, ao menos enquanto não se realizam debates maiores com a sociedade, segurar um pouco a taxa de lucro deles. Sem dúvidas, reduzir essa lucratividade não traria nada de anormal pra eles, não haveria nenhum prejuízo.

Agora, precisamos debater outro ponto mais a fundo: como, realmente, funcionam as concessões das empresas de ônibus? O secretário dos transportes explicou que 50% da remuneração aos empresários se dão pelo custo operacional, ou seja, aquele investimento que faz os veículos circularem, custeando seus pneus, gasolina, trabalhadores etc. Os outros 50% vêm por usuário transportado. Ora, se o custo operacional já está pago, o custo marginal de um passageiro é nulo, ou seja, os ônibus custarão aquilo que é o custo operacional do sistema. Transportem passageiros ou não. Já está pago tal custo.

Diante disso, podemos dizer que é preciso discutir mais amplamente esse modelo contratual. É indispensável fazer uma ampla discussão sobre o modelo contratual em São Paulo.

Por fim, é preciso dizer algo importante: hoje em dia, existe a Lei de Mobilidade Urbana, que foi sancionada pela própria presidente Dilma. De acordo com essa lei, os contratos de concessão podem ter duas tarifas: a tarifa de remuneração ao empresário, que corresponde ao custo operacional do serviço; e há também a tarifa pública, isto é, aquela que o usuário paga. Ou seja, a tarifa pública é decidida pelo poder público, independentemente da tarifa de remuneração.

A tarifa que garante o equilíbrio do contrato é a de remuneração. A tarifa pública é decidida pelo poder público. A tarifa pública (valor a ser pago pelo usuário) poderia, portanto, ser decidida pelo poder público. E a prefeitura ou governo estadual podem, inclusive, decidir cobrar mais caro do usuário, caso pretendam arrecadar mais – o que de modo algum é o caso. Ou podem decidir que a tarifa pública é, no limite, zero. Esquema esse que não tem nada a ver com o custo da operação, que já está garantido pela tarifa de remuneração. Depende só do poder público cobrar ou não essa tarifa. Quem não entendeu pode perguntar: mas de onde vem a remuneração ao empresário? Através do pagamento feito pelo poder público que o contratou. E isso, obviamente, não tem nenhuma relação com o número de passageiros transportados, nos termos falados pelo secretário de transportes, como acima citado.

É tudo tão óbvio! Não dá pra acreditar como essa lei não está sendo levada em conta. O poder público não poderia decidir isso exclusivamente em seu âmbito, com seus técnicos e administradores, sem debate algum com a sociedade. Onde está a democracia participativa? Não podemos debater essas questões todas com os governantes? Por quê?

Portanto, ter ainda de trazer à mesa a questão da Lei de Mobilidade Urbana é sinal notório de como estamos completamente atrasados em todo esse debate a respeito dos transportes coletivos em São Paulo.

Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader.

Retirado de: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8507%3Amanchete210613&catid=63%3Abrasil-nas-ruas&Itemid=200

CHAMADA DIA 27 – 17H – ATO PELA REDUÇÃO IMEDIATA DA TARIFA

QUINTA VAI SER MAIOR!

A Frente de Luta pelo Transporte e o Movimento Passe Livre convocam todos para voltarem às ruas nesta quinta-feira, 27, a partir das 17h, no TICEN.

O ato vai exigir novamente a redução IMEDIATA da tarifa e a criação de um grupo de trabalho de caráter deliberativo para discutir a implementação do projeto de Tarifa Zero em um médio prazo.

Nessa ultima terça-feira, 25, o prefeito César Sousa Jr. (PSD) se reuniu com o movimento para conversar. Infelizmente, não apresentou nenhuma solução para nossas revindicações. Segundo ele, a prefeitura não tem como reduzir o preço das passagens por falta de recursos disponíveis e por ter de respeitar a planilha de cálculos tarifários.

Nós sabemos que essa planilha é uma FRAUDE das empresas do transporte! Elas insistem em dizer que operam no prejuízo. É a mesma desculpa desde 2004, quando fizemos a Revolta da Catraca. A evolução do patrimônio dos empresários do transporte prova que o sistema de concessão é lucrativo. Alguém acredita que as empresas continuariam operando se tivessem perdendo dinheiro? Pois é, prefeito, a redução da tarifa deve ser um ato POLÍTICO!

Não basta chamar para o diálogo e não propor nada concreto. O primeiro passo é a redução imediata da tarifa, como aconteceu em 50 cidades do país na última semana.

Não sairemos das ruas! Rumo à Tarifa Zero!

21 de junho, 2013: Nota do Movimento Passe Livre Florianópolis

1. O Movimento Passe Livre, com apoio da Frente de Luta pelo Transporte, convoca para a próxima terça-feira, 25 de junho, um ato em caráter de ultimato à prefeitura do Sr. César Souza Júnior (PSD) pela Redução Imediata das Tarifas do Transporte Coletivo, seguindo o exemplo de 50 cidades do país, entre elas 14 capitais.

2.Reivindicamos também o estabelecimento de uma agenda de curto e médio prazo visando o barateamento sistemático das tarifas, rumo a Tarifa Zero no transporte público, instituindo um grupo de trabalho de caráter deliberativo, nos moldes do que foi estabelecido no Distrito Federal, envolvendo também os municípios da região metropolitana.

3.O MPL reafirma que nenhum Edital de Licitação que a prefeitura venha a lançar que mantenha o REGIME DE CONCESSÃO para exploração do transporte por empresas privadas, resolverá o dilema que envolve o acesso amplo à cidade.

4.Esclarecemos que as manifestações organizadas pelo MPL e pela Frente não comportam qualquer atitude de intolerância, sendo pautadas pelo espírito democrático e de respeito a todas as organizações políticas, sejam elas partidárias ou não.

5.Reconhecemos a queixa legítima de manifestantes que não se sentem representados pelo sistema político eleitoral, mas não aceitamos qualquer retrocesso nas conquistas democráticas. Foi na Ditadura Militar que os partidos foram proibidos. Partidos e movimentos sociais são parte do processo democrático e só foram possíveis em um regime de abertura, graças à luta contra a Ditadura Militar.

6.Chamamos a responsabilidade da Prefeitura de Florianópolis em abrir o diálogo e apresentar soluções concretas ao movimento que hoje toma as ruas da cidade.

Florianópolis, 21 de Junho de 2013

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Retirado de: http://www.facebook.com/events/567257826650548/permalink/567511676625163/

Isso é sim sobre 20 centavos: conservadorismo nos movimentos sociais.

Existe uma estrutura construída socialmente ao longo da história. Essa estrutura permeia e media todas as nossas relações, em todos os âmbitos, desde nossas relações pessoais com nossa criança que ainda nem nasceu, até as impressões internacionais das pessoas de outras nações que nunca conheceremos na vida. Esta estrutura se constrói na história através do poder, porque ela é uma estrutura que se estabelece através da retenção. Estamos falando do Estabelecimento — um conceito utilizado principalmente por anarquistas para grifar os caraceteres intersecionais de nossos esforços contra o Capital, o Estado, e qualquer outra forma de opressão.

Quando nos organizamos no feminismo contra o patriarcado, por exemplo, podemos incorrer no erro de fazê-lo esquecendo-se e invisibilizando a realidade de muitas1013910_450651248383840_1593551519_nmulheres, nomeadamente como apontaram correntes como o feminismo negro e o transfeminismo. Isso significa que estamos reproduzindo uma forma de poder para chegar ao desmantelamento de outra. O que significa que caso vençamos, teremos subjugado a outra classe. Suponha que o feminismo tenha grandes vitórias deste ano para daqui a dez anos. Se ele tiver ignorado as realidades de mulheres negras proletárias, é bem possível que gigantesca parte de suas conquistas não atendam as suas realidades e, portanto, tenha resultado em conseguir direitos que estabelecem a mulher branca e burguesa acima da mulher negra e proletária. Por mais que vários dos direitos conquistados possam servir também a mulher negra e proletária, a ausência de consideração do outro lado faz com que o tempo de luta resulte em deixar mais abaixo estas mulheres, porque os direitos avançaram as deixando para trás.

“Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer ‘não’, você acredita que seria obedecido?” — Michel Foucault

Isto acontece porque o poder se articula de forma a beneficiar e a reprimir. Por mais que estejamos lutando para que o preço da passagem abaixe, as realidades de quem realmente precisa que a passagem caia faz invisível o fato de que isto é sim sobre vinte centavos. É justamente a perspectiva não-intersecional, que ignora a realidade da população periférica e proletária, que nos faz acreditar que isto é mais sobre corrupção do que sobre vinte centavos. Porque a gigantesca maioria de quem está alí realmente não irá precisar entrar em pânico porque vinte centavos aumentaram, então imediatamente ser somente sobre vinte centavos torna-se um problema. A ampliação das preocupações, para além do preço da tarifa, parece ser um grande avanço e uma melhora. Esta é uma falsa ilusão gerada pelos privilégios que se impregnam nos movimentos sociais, porque quando você troca vinte centavos por “corrupção” você não está ampliando o alcance, você está reduzindo. Você está tirando de uma questão objetivamente monetária, que atinge objetivamente quem não possui tanto dinheiro quanto você para uma questão patética como a “corrupção”, pela qual ninguém é a favor, e que é característica indissociável da democracia representativa capitalista.

Vamos falar sobre cooptação

Quando existe aderência massificada da população, e esta população não se politizou ainda, ela infla o protesto com discursos ideológicos. Ela enche o protesto de muito pacifismo, muitas reivindicações vazias (contra a corrupção! pela educação!), de bandeiras de Brasil beirando o nacionalismo de cantarmos o hino nacional, e, principalmente, de discursos opressivos, que se já entre as pessoas “politizadas” são sempre prevalentes, entre pessoas que não se politizaram são ainda mais. O machismo, o racismo, o heterossexismo e o discurso higienista burguês são alguns problemas que cada vez mais aparecem relatos de estarem surgindo nestas manifestações recentes, inclusive nos cartazes que estamos segurando e nos gritos que estamos bradando.

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Não se trata de elitizar o movimento e abandonar tudo, saindo fora porque “virou manifestação de direita”. O conservadorismo está aqui e estará de novo da próxima vez que houver grande aderência ao protesto. Se trata de discutir isto com as massas de forma a empoderar quem está ficando no esquecimento. Se trata de unir-se e organizar-se de forma a reagir dentro da própria luta. Se trata de abrir-se a pessoas aliadas que possam ajudar a articular discursos de resistência dentro da própria luta. Será completamente inútil abandonar o fronte. É preciso ser o contra-protesto. É preciso ser quem irá tentar radicalizar lá dentro, seja no discurso — questionando os discursos opressivos e reacionários que surgem –, seja na materialidade das ações radicais, seja na contestação firme de quem está tentando apaziguar as massas, seja no suporte imediato e vocal à vítima quando alguém estiver praticando discriminação ao seu lado. Não se cale. Ao invés de abandonarmos o movimento, é preciso organizar ao redor da postura anticapitalista, principalmente enquanto protagonizado pela classe trabalhadora, e ocupar este espaço. Similarmente, diante de atitudes machistas, ao invés de abandonar o movimento, de acordo com a disposição de cada pessoa, é preciso organizar-se conjuntamente, principalmente enquanto protagonizada por mulheres, e ocupar o espaço e afirmar-se enquanto pessoa que não aprova. É preciso construir a luta na própria luta. Nossa militância não pode ser um esforço de persuasão, mas sim uma tática de resistência por insurreição. Recebo ao meu lado pessoas aliadas porque sei que é interessante para questionarmos a opressão ao vivo e a cores, mas estas pessoas precisam entender a cultura de protagonismo e de responsabilidade que estão envolvidas ao colocarem-se como uma pessoa aliada destes combates.

Será por acaso que Arnaldo Jabor e Rafinha Bastos agora estão do nosso lado?

Se você tem essa disponibilidade, esteja lá. Tente organizar-se junto com pessoas comprometidas a questionar estas posturas conservadoras, principalmente as posturas opressoras, burguesas e pacifistas. Tem gente interessada? Traga pra junto. Forje na luta o questionamento. Levar o transfeminismo ao olho do furacão. Levar o antirracismo enquanto questionamento. Questionar como quem resiste, não como quem convence. Precisamos superar através de união intersecional e empatia de fato, porque o reacionarismo precisa ser contestado para que de marcha em marcha, por mais diversos que sejam seus tópicos, estas contestações saltem. Assim como o mesmo espírito nacionalista e pequeno-burguês estava nas marchas contra a corrupção, o mesmo espírito libertário precisa permear cada protesto e questionar a opressão em todos eles. Criar uma cultura libertária é uma urgência, principalmente diante da cooptação que o Estabelecimento faz de qualquerorganize movimento que surge, justamente porque são as relações de privilégio que mediam as interações sociais. A cooptação é muito mais simples quando feita articulando a Ideologia. Quando você fala sobre partidos “cooptando” a luta, alguém ri dentro do seu túmulo. Neste caso específico, partidos de esquerda não estão cooptando nada porque estão articulando uma teoria crítica ao que a maioria das pessoas que ali estão discordam. Cooptar a luta é o que faz o conservadorismo, e faz muito bem, porque ele é o padrão. Antes de pensarmos sobre as coisas, 100% de nós concorda com o que o conservadorismo tem a dizer. Ele é a base sobre a qual se assenta nosso discurso. A sua mera presença é cooptação. Por isso é tão urgente questioná-lo — em nós, e em todas as pessoas.

Pasmem: A corrupção não é o problema

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(Foto: Marcelo Gigante / RJ)

Protestar contra a corrupção é como protestar contra a fome. Seu alvo está errado, seu resultado será nulo. E se for algum, não será pra quem precisa. O Estabelecimento quer um movimento contra a corrupção e pela educação porque nenhum pilar estará ameaçado por boas escolas e políticos que não se corrompem. Os políticos continuarão a legislar pelo Capital, porque também é assim nas veneradas democracias europeias  supostamente “não corruptas”. A educação continuará a formar cidadãos para o Capital, para atender os interesses e as demandas do mercado. O Estabelecimento quer um movimento contra a corrupção porque se a contestação está no alvo errado, e contesta algo que fundamentalmente não representa mudança, então não sairá pedra de cima de pedra. O Estabelecimento quer um movimento contra a corrupção e pela educação porque ele pode atender 100% dessas reivindicações sem se abalar nem um pouco. Ele pode dar ótimas escolas e reduzir muito os níveis de corrupção, e continuar a ser uma plutocracia capitalista. Fazer reformas políticas contra a corrupção é meramente comprar o velho chavão de um Arnaldo Jabor indignado porque o PT roubou, e se esquecer que existe uma estrutura gigantesca, da qual o PT sequer é o maior beneficiário. O Estabelecimento também inflama as massas a se organizarem contra algo: contra algo completamente irrelevante.

Ninguém discorda da corrupção ser um problema. Ou de que a educação precisa melhorar. O que isso significa? Significa adesão em massa, onde nenhum privilégio precisa ser questionado. Protestos contra causas que são consenso não precisam colocar opressões em xeque. Que pautas e demandas surgem de um movimento conservador? Estas. E estas somente. Visivelmente, qualquer pauta que nomeie opressões, é imediatamente uma pauta egoísta: os transativismos são egoísmo, porque você está se preocupando somente com você e com as outras pessoas trans*. Deveria preocupar-se com algo que atinge todo mundo, como a corrupção. Um movimento conservador é completamente contra qualquer bandeira de qualquer partido, mas não propõe nenhuma forma de organização política no seu lugar. O anarquismo possui críticas para fazer a estas vanguardas, mas entre bandeiras de partidos e o completo vazio apolítico feito de esperança e algodão doce que aqui está disposto, vale mais ficar com as bandeiras vermelhas.

Um movimento nos moldes do inimigo

O Estabelecimento quer um movimento que acha que o “Brasil acordou” porque esse é um movimento que não conhece seu lugar na história, e as lutas que o colocam ali. Ele quer um movimento que acha que o “Brasil acordou” porque movimentos sem perspectiva histórica repetem os mesmos erros, e repetem os mesmos discursos, de quem dentro dos outros movimentos os fez institucionalizar e estabilizar junto ao poder.Achar que o Brasil acordou só agora é esquecer-se que as feministas estavam lutando, e portanto ignorar o que elas tinham a dizer, e fazer sua pichação misógina.934998_498006496937217_1131706862_n

Achar que o Brasil acordou só agora é esquecer-se que o movimento sindical está fazendo greves há tempos, e você estava reclamando. Quando a sua geração acordou, não significa que o Brasil acordou. Muitas lutas estão aqui, ao nosso lado, e se nãoacordamos para elas, nós somos justamente contra quem elas estavam acordadas. O Brasil não acorda, junto, homogeneamente, quando acorda em massa para algo específico. Se isto é acordar, então nunca dormimos. As opressões são diversas, e é preciso acordar para todas elas.

O Estabelecimento quer um movimento que apoia, abraça e se solidariza com a PM porque o poder não quer um movimento que apoia, abraça e se solidariza com a população periférica, proletária e negra. Porque quem quer dar flores à polícia se esqueceu que, há pouco — muito pouco — tempo atrás, quando estávamos enfurecidamente contra o que aconteceu na Aldeia Maracanã, quem estava lá era a PM. Porque quando nos enfurecemos com o que aconteceu em Pinheirinho, quem estava lá era a PM. É muito simples particularizar o que a PM faz aqui ou ali quando o que a PM faz de fato não está debaixo da sombra de nenhum iPhone ou nenhuma Nikon. Lá, nas periferias, onde a violência policial é mais brutal, e completamente ignorada, a PM está praticando seu fascismo diário contra os “bandidos” que um protesto conservador odeiam. Se o trabalho da polícia é atender os interesses do Capital, isto é, defender a exploração da classe trabalhadora, como poderia a polícia ser a classe trabalhadora? Quem considera a polícia com bons olhos é quem não está à margem de suas violências. Eis aqui uma margem para você: ter empatia por estas realidades, e parar de aplaudir estas violências.

“Polícia é pra bandido, pra estudante não!”, cantava a multidão, ontem, ao meu lado. “Eu entrei na PM pra prender bandido”, dizia no vídeo o policial, às lágrimas, aplaudido por quem chorava, emocionadamente, junto.

Ir às ruas por ir às ruas, não é acordar. Uma multidão de milhões pode estar nas ruas, isso ainda não será acordar. Existe uma ideia perene de que é preciso ir às ruas só por ir às ruas, e ela convence muita gente. E elas vão. Mas porque estes espaços não são espaços de contestação, porque estes espaços não são espaços organizados ao redor de algum assunto pontual, de fato nada é discutido. Esta é a cooptação que acontece por parte do conservadorismo

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Quando o Movimento Passe Livre propõe um debate extremamente pontual sobre a tarifa zero, e demanda barrar o aumento, uma classe média injuriada salta às ruas e manda na lata: “não é só sobre vinte centavos”, porque para ela, vinte centavos é muito pouco.

Mas isto é sim sobre vinte centavos.

Ir às ruas por ir às ruas não é acordar. Independente do número de pessoas. É preciso ocuparmos estes espaços, reagirmos dentro deles, levarmos discussões pontuais — como era a proposta do MPL — e resistir aos desvios que acontecem porque o Estabelecimento prioriza quem não precisa daquelas demandas. Há de se discernir pessoas aliadas de pessoas que não se importam. Marchar pode ser romântico, mas não é radical. Um milhão de pessoas sem nada a dizer, sem privilégios a questionar, sem questionamentos a fazer, sem patrimônios a quebrar, sem tópicos a discutir, não é uma multidão acordada. É, no máximo, um gigantesco episódio de sonambulismo político.

 

Retirado de: http://incandescencia.org/2013/06/18/isso-e-sim-sobre-20-centavos-conservadorismo-nos-movimentos-sociais/

20 de junho, 2013: 30 mil

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Em primeiro lugar, peço desculpas por ter enchido tantas timelines por estes dias. Este deve ser meu último post sobre o assunto das manifestações. Peço desculpas também pela minha declaração há alguns dias de que “a minha geração estava fazendo história”. Um equívoco. Não tenho vergonha nenhuma de mudar de opinião. O que escrevo abaixo não é opinião. É constatação. Só não enxerga quem não quer. O texto ficou gigante. Você, que não entende o que está acontecendo provavelmente não lerá.

Se você tem a vã ideia de que o povo brasileiro tenha mudado um pouquinho sequer por ter ido para as ruas reclamar, você, infelizmente, está absolutamente enganado. O gigante pode até ter acordado, mas ainda não lê e está com os olhos tapados. Trinta mil foram às ruas de Floripa hoje. Tudo muito bom, tudo muito bonito. Mas a tendência nacional se repetiu na ilha. Cheguei um pouco atrasado ao “protesto” (entre aspas, porque não houve um). Caminhei por cerca de quatro quilômetros entre os manifestantes que, na teoria, foram às ruas apoiar o Movimento Passe Livre na luta por um transporte público melhor.

Nestes quatro mil metros tentei por várias vezes, incitar as pessoas a gritarem pela causa, a diminuição da tarifa. Não obtive sucesso uma vez sequer. Os gritos eram variados, e raros. Cada manifestante foi para a rua com uma (ou mais) reivindicações cada. A maioria foi sem nenhuma – até porque protestar contra a corrupção (em geral, sem nenhuma reclamação concreta), pela saúde, pela educação, pela moral, pelos bons costumes, todos de uma vez só, não significa nada. Em absoluto. Nada.

Durante a tediosa caminhada, na absurda maior parte do tempo havia silêncio. Mais parecia uma romaria religiosa, uma caminhada contra o câncer ou coisa do gênero. Haviam algumas reações comuns, que aconteciam de tempos em tempos. Pessoas criticando RBS/Globo, cantando “eu sou brasileiro com muito orgulho” e gritando de alegria ao ouvir buzinas de apoio dos carros ou acenos dos apartamentos. Notem. Nenhum sinal de protesto. Nenhum. Li muitos cartazes sobre diversos assuntos, mas grito, pressão popular não houve.

Não há como mudar nada sem lutar. Caminhar na rua parando para tirar fotos e colocar no Facebook não conta. O protesto pode ter chego ao seu pico em número (talvez não) nos moldes em que está acontecendo. As pessoas da minha geração, que não lê, não se informa, não se politiza, continuam ignorantes como antes. A única diferença é que resolveram ser ignorantes na rua. Isso é muito triste, muito. Não fazem a mínima de ideia de contra o que querem protestar. Não fazem ideia de que não estão protestando. 

Foram fechadas as ruas que a cidade já estava pronta para fechar, nos horários combinados e sem causar grandes transtornos. No governo, nem cócegas. Risadas, muito provavelmente. Mas daí você vai me dizer: as pessoas não protestaram contra algo porque não havia uma liderança coordenando. Prepare-se, agora vem a pior parte.

As pessoas que iniciaram os protestos, o Movimento Passe Livre e outros movimentos sociais alinhados foram agredidas. Confesso não ter visto o início, onde dizem ter acontecido muita coisa. Mas após os quatro quilômetros, finalmente os encontrei. Finalmente, um grupo gritando unido por uma causa. Fiquei feliz. Todos unidos contra a tarifa, mesmo pertencendo a diferentes organizações – vi PSTU, PSOL, PT, Movimento Sem Terra, bandeiras comunistas em geral e pessoas sem nenhum símbolo de qualquer movimento.

Este grupo, de pessoas que criaram o movimento que foi o tal estopim nacional foi hostilizado do início ao fim. Várias tentativas de agressão aconteceram (algumas muito covardes, de oito pessoas contra uma). Inúmeras foram as pessoas que tentaram arrancar as bandeiras, indo contra a democracia e a liberdade de expressão. Fiquei com este grupo, não tão grande, mas que lutou até o fim. Fomos à prefeitura e fizemos um manifesto bonito, mas não expressivo e não reconhecido – como eles fazem há anos.

A maioria, no entanto, que se concentrou em gritar “sem partido” para este grupo, realizou apenas este protesto. Uma manifestação ridícula anti-bandeiras. Mais uma vez, nada. Este movimento gigantesco, de pessoas vazias e que foram para a rua pela vontade de aparecer em mais uma das modinhas da era da internet, não chegará a lugar algum. Tem duas saídas.

Na primeira, acaba dentro de pouco tempo, e tudo volta ao normal brasileiro. As pessoas já tiraram as fotos que precisavam e o movimento passa. A insatisfação sem conhecimento e motivo concreto continuará perpétuo enquanto as pessoas não investirem em seu intelecto. Na segunda, pode culminar em uma eleição de Aécio Neves em 2014. O movimento anti-Dilma (criado pelo simples e eterno descontentamento com qualquer governo atual de qualquer época, mas sem embasamento, no caso) cresce. Acho que não terá força para derrubar a Presidente, mas pode evitar sua reeleição no ano que vem. E voltaremos à era Tucana, pois o povo esquece rápido e eles surgem como solução.

É impossível protestar sem conhecimento. Tentar pressionar tudo não pressiona nada. Caminhar na rua não é manifestar nada além de uma insatisfação. Aos que saíram para protestar de verdade parabéns. Vocês significaram alguma coisa. Para mim, acabou. Pelo menos da forma que está. Na luta deste outro grupo, continuarei. O grupo que criou, que sempre lutou e foi renegado.

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Quinta às 22:56

 

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