21 de junho, 2013: Revista Naipe – EXPLICANDO PRA CONFUNDIR

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[Foto: Stefano Maccarini]

Já disseram por aí: só não está confuso quem está mal informado.

Estamos muito confusos. Cobrimos a primeira manifestação de Floripa e relatamos aqui. Voltamos da segunda, que mobilizou 30 mil (ou 50 mil, segundo cálculo por m² da Naipe) pessoas ontem (20/6) tão atordoados que em vez de reportagem preferimos traduzir o que vimos em opiniões.

1) “Descobri hoje que temos um policial do choque dentro de cada um de nós”

Perdemos. E perdemos feio. Justo no dia que saí de casa com a esperança de ver uma cidade unida, nos despedaçamos. O governo e a polícia finalmente descobriram como nos dispersar. Não é com spray de pimenta, gás lacrimogêneo, balas de borracha ou cassetetes. O jeito mais eficiente de nos dividir é nos deixar sozinhos pelas ruas, nos entregar a chave da cidade.

Nunca nossas diferenças foram tão evidentes. Os cartazes de uns incomodaram os outros, as bandeiras de uns injuriaram os outros. Sinalizadores, máscaras, faixas, narcisismo, ideologias. Tudo se tornou motivo pra nos colocarmos em lados opostos. Descobri hoje que temos um policial do choque dentro de cada um de nós, tentando impedir os outros de se expressarem. Um povo que passou a vida inteira apanhando acabou desaprendendo a bater. Nos tornamos apáticos, simpáticos, pacíficos.

A noite deveria ter sido feita de caras sérias, olhares de revolta, gritos vindos da alma. Mas a única coisa que se viu foram sorrisos e risadas, como se estivéssemos comemorando. Nunca estivemos tão longe da vitória, amigos. Nunca fomos tantos e ao mesmo tempo tão poucos. A lista de reivindicações é tão extensa que não sabemos por onde começar. Transporte, saúde, segurança, educação, emprego, corrupção. Tem algo que podemos elogiar nesse país?

Pela primeira vez em dez anos do Movimento Passe Livre a imprensa e os políticos nos dão tapinhas nas costas. Talvez porque estejamos caminhando pra direção errada, enrolados numa bandeira que não construímos. A maioria não saberia dizer quantas são as estrelas estampadas. Os políticos nunca foram dormir tão tranquilos e eu nunca fui dormir tão desesperado. Amanhã vai ser menor.

Fabrício Finardi

2) “Precisamos de lideres nesta manifestação, não precisamos de maniFESTA”

Ontem levei meu filho de 13 anos para a manifestação porque pensei que seria um momento histórico que ele precisava participar, mas quando chegamos na ponte ele me perguntou: “E aí, pai?”.

Dormi e acordei com a mesma pergunta. E aí? Saí de casa, peguei trânsito, chuva, caminhei duas horas, tomei a ponte, passei mais uma hora dentro do carro esperando pra voltar para casa. “E aí?” parece coisa de vida após a morte, sempre fica aquela dúvida: para onde vamos, mesmo?

Continuo com a minha opinião inicial. Precisamos de lideres nesta manifestação, não precisamos de maniFESTA. Precisamos, sim, ir para a rua, mas com objetivo bem definido e com pessoas que realmente queiram mudar o Brasil. Para mudar qualquer coisa existe sempre um objetivo claro com liderança consciente e ativa.

Thiago Steiner

3) “O desejo de ser parte da história está pondo em risco o resultado de uma revolução jovem”

Li, dia desses, uma frase que levou três dias para ser inteiramente assimilada. Em 1994, Paulo Freire escreveu em seu livro Cartas à Cristina, a seguinte reflexão: “A pessoa conscientizada tem uma compreensão diferente da história e de seu papel nela. Recusa acomodar-se, mobiliza-se, organiza-se para mudar o mundo”.

Depois de assistir a transformação da manifestação nos mesmos três dias, concluí: não dá pra sobrepor as lutas, uma sobre a outra, com tanta velocidade, com tanto volume amorfo. Uma massa está sendo levada sem rumo, sem reflexão. Filosoficamente falando, a falta, o sentimento de pertencimento, o desejo latente de ser parte da história, está colocando em risco o resultado de uma revolução jovem. Tão jovem que não se preocupa, então, com o próprio papel na hora de protestar. Por enquanto, querem fazer parte, querem estar lá.

É complexa a busca interior de saber pelo que se luta. Verdadeiramente, muitos não têm experiência para saber. A sensação de que tudo ficou tão estranho, porém, é positiva. Agora está na hora de repensar a própria postura. Está em tempo de olhar para dentro de si antes de sair novamente às ruas. Qual é o seu papel na história?

Pollyanna Niehues

4) “Vou torcer para que na próxima manifestação a Ritalina venha diluída na chuva”

Para usar a própria ‘profundidade’ da web, segundo o Wikipedia “o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é uma síndrome caracterizada por desatenção, hiperatividade e impulsividade causando prejuízos a si mesmo e aos outros”. Segundo a OMS, cerca de 4% dos adultos e de 5% a 8% das crianças e adolescentes de todo o mundo sofrem de TDAH.

Digamos que ontem vimos 30 mil pessoas na rua e que a grande maioria era de adultos (sim, eu sei que não). Tenho certeza que não tínhamos só 1200 pessoas, 4% dos 30 mil, com agendas e focos que mudavam a cada minuto. Ontem Floripa deve ter batido recordes na história das psicopatologias. Vou torcer para que na próxima manifestação a Ritalina venha diluída na chuva.

Diogo Rinaldi 

5) “Não admite, o típico intransigente, que as pessoas passaram a semana se politizando”

Ler a ingratidão de muitos politizados no Facebook me dá uma tristeza gigantesca.

Para evitar mal entendidos, não é demais deixar antes aqui um parágrafo “eu sei”. Eu sei que a dispersão é tanta que há momentos de constrangimento no meio da manifestação; que o grito “sem partidos” tem prazo de validade, não faremos política sem eles; que independente de como se avalie ontem, o amanhã está em aberto; e que observar a versão passeata do nosso individualismo pode ser deprimente, como no caso da famigerada autofoto para o Instagram.

Descontando isso tudo, o que temos? As manifestações mais relevantes do país em duas décadas. As pessoas ontem tinham todos os matizes: muitas fizeram cartazes, muitas apenas caminharam cantando os coros que vieram, aprendendo o que é a ocupação noturna do espaço público, sendo um número. É pouco? É muito! O típico ombudsman de passeata, contrariado com as manifestações, ainda não entendeu o impacto de fechar cidades populosas por horas; não entendeu que políticos se preocupam mais com uma massa numerosa e variada assim, que inclui até mesmo engravatados de altas esferas, do que com os (louváveis mas muitas vezes inflexíveis e auto-interessados) bolinhos partidários.

Não admite, o típico intransigente, que as pessoas passaram a semana se politizando; que os protestos ocorrem em um contexto mundial democrático bem mais saudável do que o dos anos 1960 (tornando capciosa a comparação com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, por exemplo); e que, enfim, uma boa democracia é isso, um protesto pacífico ao lado de quem pode ter pouco a ver com você.

Thiago Momm

6) “É mais fácil condenar ‘a corrupção’ do que lutar por aquilo que está perto”

Sou das que, na terça-feira, ficou maravilhada ao subir a ponte Colombo Salles e ver que à minha frente e atrás de mim os olhos não alcançavam o fim da multidão. Mas (desculpa aí, galera!) estou desconfiada. Acredito – e temo – que muita gente estivesse ali só pela glamourização da coisa, pela dimensão do espetáculo e pra dizer de peito inflado: “Eu ajudei a mudar o país”.

Nós temos, sim, o poder de mudar as coisas e manifestações como essas poderiam ser um passo para isso, mas não são o suficiente. Pode parecer clichê dizer isso, mas a mudança também ocorre em pequenas ações. Quantos de nós já compareceram a uma sessão da câmara? Quantos já fomos a uma reunião de bairro ou de condomínio? Mudar o país é dizer para uma criança quando vir alguém furando fila no trânsito: “olha só, isso é corrupção!”.

É mais fácil condenar “OS POLÍTICOS”, “A CORRUPÇÃO”, “A IMPRENSA”, do que lutar por aquilo que está perto. Afinal, discutir com vizinho gera incômodo e participar da política dá trabalho. É legítimo e digno de aplausos lutar por uma causa justa, mas ter coragem de olhar nos olhos todos os dias e respeitar quem pensa diferente da gente pode parecer pequeno, mas também é grande parte da mudança.

Bárbara Dias Lino

7) “Mais narcisismo que ativismo”

Na mesma Florianópolis onde em 2004 a polícia descia o cacete em integrantes do Movimento Passe Livre, abrem-se alas para que a ponte seja ocupada por 30 mil pessoas – muitas das quais, há duas semanas, nunca teriam ido pro asfalto mostrar insatisfação. Até ontem, eu achava essa mudança linda. Até ontem, quando o Movimento Passe Livre foi hostilizado novamente, desta vez por gente que também estava lá pra se manifestar.

Não foi só isso que ativou as  três pulgas que dormiam atrás da minha orelha desde terça-feira. Enquanto subia no maior símbolo da imobilidade ilhoa, não consegui me sentir parte. De absolutamente nada. Poucos gritavam, muitos tiravam fotos de si mesmos: mais narcisismo que ativismo, mais sorrisos que indignação.

A maioria das pessoas estava feliz. Feliz na mesma semana em que – só pra citar um fato absurdo – Marco Feliciano enfiou goela abaixo o infeliz projeto da “cura gay”. No dia seguinte à invasão do teto do Congresso em Brasília, apenas dez manifestantes foram ao chiqueirinho de Feliciano protestar.

Aquele vazio – não de pessoas, mas nas pessoas – lá na ponte me deixou com receio. Um amigo me disse estar com uma forte sensação de estar servindo de massa de manobra. O que me lembra que li em algum lugar a notícia de uma cidade mineira em que a polícia acompanhou os manifestantes ao som da banda de música da PM. Não consigo parar de me perguntar: estamos dançando a música de quem?

Rosielle Machado

8) “Transformamos protesto em caminhada. A manifestação virou esquenta”

Mandaram: #vemprarua. Obedeci. Acompanhei a multidão, subi na ponte vazia de carros. Vi cartazes lindos e outros absurdos. Gente que pedia mais amor, por favor, e gente exigindo impeachment. Gente orgulhosa de ter levantado a bunda da cadeira, sair do Facebook. Mas é mentira. Nós não saímos do Facebook, só o levamos pras ruas. Estávamos fazendo check-in na manifestação, curtindo o momento, fazendo pose para fotos. Já fizeram até um Spotted: Manifestação. Faltou compartilharmos uma ideia comum. Faltou foco.

Disseram: #ogiganteacordou. Eu também disse, também tuitei, também postei. Sem diminuir militantes que batalham há tempos por suas pautas, pelo contrário. Pra mim, o gigante tinha acordado justamente porque os brasileiros estavam todos mobilizados, atentos à mesma reivindicação, em uníssono. Erro meu. Não há unidade nessa manifestação. Essa foi a parte que não entendi, porque ontem havia um propósito claro: protestar a favor do passe livre. Mas um punhado de gente estava lá só tentando tirar casquinha. Transformamos protesto em caminhada. A manifestação virou esquenta.

Gritaram: #opovounidojamaisserávencido. Eu fiquei em dúvida: quem é o inimigo aqui? A ideia de “protestar por um país melhor” é linda, mas vazia. Atirar pra todos os lados não é estratégia, é imaturidade. Agregar bandeiras a uma causa já estabelecida é válido, mas por que estamos saindo da luta inicial? Está provado que conseguimos nos mobilizar. Agora, precisamos parar de achar que tudo é festa. Como bem resumiu uma amiga, “fui pra manifestação, mas voltei do Carnaval”.

Lucas Pasqual

9) “Florianópolis é referência na luta pela tarifa zero. Ontem, rasgamos essa imagem a cada passo”

“Não se apaixonem por si mesmos. Esse movimento todo é lindo, mas o que importa é: o que vai mudar?”, disse o filósofo esloveno Slavoj Zizek, durante o Ocuppy Wall Street em 2011. Manezinhos, nativos ou não, marcharam orgulhosamente pelas pontes ontem. Mais de 30 mil de nós, disse a Polícia Militar – que só acompanhou, calmamente, os calmos manifestantes. A mesma Polícia pesou a mão em todas as outras manifestações do Passe Livre na ilha. Antes, a população se aborreceu porque atrapalhavam o tráfego: “essa cambada de vagabundo”, diziam. Hoje, todo mundo era a favor de fechar avenidas.

Mudamos tanto assim? Ou apenas pegamos carona na indignação nacional? Floripa não podia ficar de fora da última palavra em manifestações. Assim, convocadas às pressas (e já com atraso em relação a outras capitais) pelo Facebook, as pessoas se apressaram em confirmar presença no evento do momento. Provavelmente saíram de casa indignadas com “tudo isso aí”. Mas em que momento essa indignação virou apenas um passeio entre amigos?

Na verdade, nunca houve chance de ser algo mais do que foi. Alguns chamaram a tomada das ruas de micareta, outros de maniFESTAção. Houve quem preferiu “cortejo fúnebre”. Se é que já houve vontade revolucionária na cidade, ela se foi com a Novembrada, em 1984. Há tempos somos apenas a ilha mágica das praias, do melhor IDH, do povo sarado e das promessas de verão. As mesmas famílias de sempre se alternam no poder, sempre as mesmas maracutaias e arranjos, mas e o meu bronzeado do fim de semana?

Florianópolis é referência nacional na luta pela tarifa zero. Ontem, andando ordeira e calmamente, como pedia a TV, rasgávamos essa imagem a cada passo. As fotos das pontes lotadas ficaram lindas. Em casa, eu assistia à aglomeração e me sentia frustrado por não ter ido – uma cirurgia no joelho me lembrava que era melhor ser prudente. Talvez pudesse haver confusão, exaltação política, indignação! Sei lá o que achei.

Jerônimo Rubim

10) “É o Brasil nas ruas, o bom e o ruim dele”

Difícil, mas deixem-me aqui tentar tomar uma posição ambivalente.

A todos que criticam os coxinhas e despolitizados que foram à manifestação com camiseta de futebol, ou cantaram o hino nacional que você achou meio fascista, ou que não sabiam as cantorias do Movimento Passe Livre de cor: sinto muito. É o Brasil nas ruas, o bom e o ruim dele. Vocês não queriam que as pessoas saíssem de seu sofás, desligassem a Globo e desconectassem do Facebook? Pois então. É essa galera. Agora ajudem a mobilizar a nação na direção certa. Vocês precisam deles para esse protesto.

A todos que gritam “sem partido, sem partido,sem partido” até estarem mais esbaforidos e vermelhos que a bandeira mais comunista: sinto muito. É esse pessoal que está preocupado com as coisas concretas que vão nos levar de um país que gasta milhões em estádios a um futuro “sem corrupção” e com “mais saúde e educação”. Isso não vai cair do céu, muito menos ser entregue de bandeja. Vocês precisam deles pra essa caminhada. Sair pra rua não basta. Mas é um bom passo.

Bruno Rinaldi

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Extraído de: http://revistanaipe.com/na-rua/explicando-pra-confundir/

Passa palavra: 20 de junho: a Revolta dos Coxinhas

Florianópolis

Terça-feira, 18 de junho

Na terça-feira houve uma manifestação convocada pelo Facebook por um estudante da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) entusiasta de revoltas. Na empolgação com o que ocorria em São Paulo e no resto do país, ele resolveu criar o evento na rede social na noite de segunda-feira. O chamado à manifestação incluía diversas pautas: a tarifa zero, as PECs, a corrupção, o blablablá e terminava com um indigesto “pelo que você quiser”. Terça-feira à noite a manifestação reuniu pelo menos 20 mil pessoas. Florianópolis tem 420 mil habitantes e até então nunca havia visto algo com aquele tamanho.

Um parêntesis. Participei, desde 2004, de todas as campanhas contra o aumento da tarifa aqui na ilha, com a exceção da de 2010. Apenas durante a Revolta da Catraca de 2004 a Polícia Militar se mostrou “pacífica” (a prefeita era oposição ao governador e havia eleição municipal naquele ano), mas mesmo lá apanhamos todos quando resolvemos desobedecer o acordado e ir ocupar as pontes da cidade. Em todas as outras campanhas por redução da tarifa a PM foi rigorosamente truculenta. Fecha o parêntesis.

A manifestação parecia um bloco de carnaval. Todos de branco, felizes e orgulhosos, cantando o hino nacional e protestando contra qualquer coisa. Por poucos momentos vi a turba cantar as conhecidas músicas do Movimento Passe Livre (MPL) e quando isso acontecia era por um brevíssimo momento. A manifestação que se concentrara à frente do Ticen (o terminal central de ônibus) percorreu o caminho em direção à Assembleia Legislativa (que foi onde a encontrei) e de aí atravessou a avenida Mauro Ramos em direção à avenida Beira-mar.

Somente durante as Revoltas da Catraca de 2004 e 2005 conseguimos alcançar a avenida Beira-mar. A partir de então sempre nos foi impossível botar os pés lá. Acontece que na manifestação de terça-feira não houve impedimento algum. Aquilo estava por demais estranho. O próprio contingente policial era irrisório para o tamanho da manifestação. Mas, por outro lado, a manifestação não apresentava perigo algum à ordem. Quem bloqueava as ruas e coordenava tudo era a PM e assim o foi até o fim.

Percorrendo a Beira-mar era visível o desânimo das pessoas de esquerda que eu encontrava pelo caminho. Estavam isolados, em pequenos grupos, perguntando-se que coisa era aquela. Alguns desanimados, outros emputecidos, mas todos, sem exceção, engolidos pela Marcha dos Coxinhas. Da Beira-mar passamos facilmente à ponte Colombo Salles, que já estava fechada para o trânsito. Tudo organizado pela PM. Não foi a manifestação que ocupou a ponte. Foi a PM que fechou a ponte para os coxinhas irem lá bater fotos para postarem no Facebook. Era por volta de 20h30 quando todos chegaram à ponte e já às 20h45 começava a dispersão. Parecia na verdade que todos estavam apressados para chegar às suas casas e não perderem a novela.

Caímos no desânimo e às 21h já estávamos na Travessa Ratcliff, pequeno refúgio da boemia da cidade, afogando as mágoas na cerveja. Às 21h30  apareceu uma turma um pouco mais animada, porque haviam feito um catracaço no Ticen. Depois fiquei sabendo que a polícia deixou todos eles fazerem aquilo e que o próprio presidente do sindicato das empresas de ônibus já havia liberado os ônibus gratuitamente aos manifestantes. Não houve confronto algum. Tudo aquilo não passara de encenação.

A cerveja desceu amarga aquela noite. Não era só porque havíamos sido engolidos pelos coxinhas. Mas porque havíamos sido completamente derrotados no campo de batalha que sempre foi o nosso: as ruas. Ao contrário do que ocorria em outras cidades, onde o MPL ou o similar havia começado as manifestações para depois elas serem apropriadas e as pautas diluídas, em Florianópolis logo a primeira manifestação foi coxinha. Completamente coxinha.

Quarta-feira, 19 de junho

Por conta de tudo o que havia acontecido na noite anterior, os partidos e coletivos de esquerda de Florianópolis resolveram articular-se para a manifestação que estava marcada para quinta-feira. O MPL decidiu antecipar em uma semana o debate sobre tarifa zero que iria promover a fim de tentar pautar a discussão em torno da questão da mobilidade urbana. E foi marcada com todos os grupos de esquerda uma reunião ampla após esse debate.

O debate contou com um número surpreendente de pessoas. Havia mais de duzentas; o auditório do Centro de Filosofia e Humanas da UFSC ficou completamente lotado. Quem conhece o dia a dia do MPL sabe como é difícil ter tantos interessados no assunto. A reunião que seguiu o debate foi algo que nunca vi. Toda a dita esquerda (PTPCdoBPCB, PSTU, PDT, Coletivo Anarquista Bandeira Negra, Brigadas Populares, Juventude Comunista Avançando, MPL, feministas e independentes) decidiu unificar sua participação no ato do dia seguinte sob a pauta da tarifa zero. A Frente de Luta Pelo Transporte, pela primeira vez desde que foi criada em 2005, decidiu agir como uma coisa só. Ficou acordado que cada partido poderia levar sua bandeira — ora, o PSTU havia sido hostilizado no ato de terça-feira, tendo suas bandeiras rasgadas e uma militante agredida — e que teríamos uma postura pedagógica no ato, procurando dialogar com a massa difusa que certamente iria à manifestação.

Quinta-feira, 20 de junho

O dia amanheceu chuvoso e frio. Muitos da esquerda imaginavam que isso esvaziaria a manifestação. Mas já no meu trabalho percebi que não. Cheguei ao trabalho e todos estavam animados para a manifestação. Uma colega apareceu com uma camiseta onde estava escrito “Sou brasileira e não desisto nunca”. Disse que tinha comprado no site do Luciano Huck. Esse é o ambiente onde trabalho. Coxinhas, coxinhas por todas as partes. E lá estavam eles, preparando-se para o grande ato. Todos com câmeras e capas de chuva, além de bandeiras do Brasil e cartazes contra a corrupção. E como tanto o prefeito quanto o governador estavam apoiando a manifestação (ambos do PSD), fomos todos liberados do trabalho às 16h30.

Dirigi-me ao Terminal Central de Ônibus (Ticen), mas ainda no caminho uma amiga avisou por mensagem que um confronto já se havia iniciado. Um grupo tentara tirar as bandeiras de quem ali estava. Cheguei perto das 17h à concentração. O clima era tenso. A Frente de Luta Pelo Transporte (umas 300 pessoas àquela hora) estava no passeio da av. Paulo Fontes, em frente ao Ticen, completamente envolvida por pessoas hostis às bandeiras de partido. E isso que a concentração fora marcada para às 18h. Tentamos intervir no grito, substituindo o “sem partido!” dos coxinhas raivosos por “sem tarifa!” ou “sem catraca!”, mas apesar da coisa ter surtido efeito, os partidos, amedrontados, decidiram afastar-se dali. Há um vídeo desse episódio, pode ser visto aqui.

Depois disso, a PM formou um cordão de isolamento entre a Frente e os demais manifestantes. E fomos alvo de provocadores. Um sujeito apareceu ao nosso lado com um cartaz onde se lia: “Militares, voltem para botar ordem neste país!”. A coisa ia mal. Rapidamente resolvemos designar um pequeno grupo para ir aos manifestantes e convencê-los a juntarem-se ao nosso grupo. Durante todo o tempo éramos observados por figuras estranhas, não sei se P2 ou fascistas organizados. Quando se deu isso, eram já 18h e a Marcha dos Coxinhas partiu para o outro lado em direção à Assembleia Legislativa. Como muita gente acabou chegando depois da partida dos coxinhas, acabamos conseguindo juntar bastante gente perdida ao nosso grupo e forçamos um retorno para a frente do Ticen. Não sem um pouco de conflito e muito grito pedindo unificação e foco na tarifa. Organizamo-nos num grupo relativamente coeso de 10 mil pessoas aproximadamente e partimos em direção às pontes.

O caminho até às pontes foi marcado por diversas tentativas de insulto e agressão aos partidos que ali estavam. A ação conjunta da Frente de Luta Pelo Transporte, contudo, evitou maiores confrontos. Entramos na ponte cantando, gritando e pulando pela tarifa zero, numa demonstração nunca antes vista na cidade. Ocupamos as duas pontes por um bom tempo. No retorno à ilha, já na cabeceira da ponte, nos encontramos com os coxinhas que acabavam de chegar, vindos da av. Beira-mar.

Quem estava com bandeira de partido foi hostilizado, perseguido. O principal alvo eram os militantes do PSTU. Aos gritos de “PSTU, vai tomar no cu!”, muitos grupos perigosamente se aproximavam do nosso espaço. Como saí do trabalho direto para a manifestação, estava vestido de coxinha, praticamente um militante à paisana. Nessa hora um desses bombadinhos me puxou de canto e convidou para espancar o povo do PSTU. A coisa não ia nada bem. Não demorou muito até um grupo agredir fisicamente os trotskistas.

Depois de sairmos da ponte, fomos em direção à Praça XV. De lá seguiríamos à Prefeitura. Por falta de organização, porém, nossa manifestação se desarticulou. Parte voltou ao Ticen, parte foi à Prefeitura e outra parte foi ao gabinete do prefeito. Espalhados pelo centro da cidade, muitos sem saber onde exatamente ficava a Prefeitura, a manifestação dispersou. Florianópolis tem esse problema, notadamente com os estudantes da UFSC, que só conhecem os arredores da Universidade. Conhecem muito pouco o centro. Certamente muitas manifestações teriam outra configuração se os seus participantes compreendessem minimamente a geografia do centro da cidade. O grupo que se dirigiu ao gabinete do prefeito teve ainda de enfrentar o ódio antipartidário dos coxinhas e correr dali para não terem o mesmo destino dos militantes do PSTU.

A PM estima em 30 mil o número de pessoas presentes na manifestação de quinta-feira. Mas outras estimativas falam em 50, 70 ou até 100 mil pessoas. Independentemente do número, certamente havia mais coxinhas do que pessoas organizadas pela Frente de Luta Pelo Transporte nesse ato. E os coxinhas estavam organizados. De forma difusa certamente. Mas costurando com pautas genéricas e moralistas o tecido social onde um certo tipo de direita adora desfilar.

Parte relativa a Floripa retirada de: http://passapalavra.info/2013/06/79726

21 de junho, 2013: 1 e 1/5

Aqui em Floripa tivemos duas manifestações, ou melhor, 1 e 1/5, porque na segunda delas, ontem, muito pouca gente realmente se manifestou. Digo pouca e não nenhuma porque ouvi dizer que um grupo pequeno tentou, depois que os “manifestantes” desinteressados foram embora, realmente ocupar a ponte (e não apenas passear turisticamente por ela). É claro que esse grupo apanhou da polícia, pois saía do esquemão pré-aprovado de manifestação (coisa bizarra é uma manifestação pré-aprovada, não?). Não tenho confirmação dessa informação, infelizmente eu já tinha ido embora decepcionada e não achei nada aqui pelo face. Se alguém tiver informações, agradeço…
Fora esse episódio, em geral, ontem foi um dia triste, com cara de fim de sonho. Parecia final de jogo, saída de estádio (o maridão até gritou um sarcástico “Furacão!” em homenagem ao nosso amado Atlético Paranaense, tirando sarro da postura dos “manifestantes”). Era triste ver as pessoas andando sem rumo, sem cartazes e sem canções, os poucos gritos eram os tão falados “sem partido”. O que, diga-se de passagem, é completamente incompatível com os “Fora Dilma” que se via por lá. Fora Dilma significa a volta do que já foi, como se FHC, Sarney, Aécio, Alckmin, etc fossem melhores? Não, não eram melhores, mas talvez também não eram piores, porque o que se tem parece exatamente a mesma coisa que se tinha. São eles mesmos que estão por aí, pois ela está com eles. E essa é provavelmente a maior derrota da esquerda no Brasil: ver o PT virar o PSDB. 
Outra coisa muito incongruente com os gritos de fora partido é a demonstração de patriotismo da marcha. Na terça-feira, eu havia (ingenuamente, agora eu sei) interpretado esses gritos como uma manifestação de rebelião anárquica, contra o sistema político “democrático” que diz nos representar. Mas agora concordo com as leituras que interpretam esses gritos como fascistóides e apolíticos, no pior sentido que o termo pode ter. Ainda mais quando conjugados com os orgulhos de ser brasileiro que eram entoados em tom xenofóbico. Num momento desses, eu cantei “sou brasileiro, sem muito orgulho, mas com muito amor”, e um moleque de 15 anos me olhou com os olhos esbugalhados como se eu fosse uma herege. Cantei sem orgulho porque pra mim sentir orgulho de nação é sentir orgulho de todo o projeto de exclusão que ela envolve, é mesmo etnocentrismo. O que é orgulho senão raiz de fascismo? Mais que isso, o que significa ser brasileiro, quando os primeiros brasileiros são assassinados pelos ruralistas Brasil afora, quando veem suas terras inundadas por Belo Montes da vida sob a cumplicidade calada dos outros brasileiros todos? Essa cumplicidade é tão calada que numa manifestação dessas, enquanto vivenciamos um lento genocídio indígena, pouquíssimos cartazes falam a respeito. E olha que Florianópolis está cercada de aldeias e de confrontos, como os que enfrentam os Guarani, da região de Palhoça. Mais que isso, não é preciso nem sair do centro da cidade, basta caminhar pelo calçadão da Felipe Schmidt, pra ver como os governos catarinenses tentaram transformar indígenas em mendigos pedindo esmolas, comidas e roupas, tentando vender seu lindíssimo artesanato, como seres invisíveis aos olhos dos passantes apressados. 
Mas muito além da questão indígena, porque podem dizer que não era a pauta da manifestação (ainda que eu ache que pauta é uma coisa ridícula até no jornalismo, quem dirá numa manifestação…), é preciso sempre e ainda resgatar a questão do transporte, o estopim disso tudo. Eu não vi cartazes, entrevistas ou gritos de guerra sobre o lucro das empresas de ônibus. Poxa, não basta abaixar o valor da tarifa apenas aumentando o subsídio do governo com o nosso próprio dinheiro dos impostos, é preciso mexer no faturamento líquido bizarro dessas empresas e obrigá-las a melhorar a qualidade do transporte. Mais que isso, é preciso que ele seja realmente público e de qualidade. Se a tarifa é tão alta no Brasil é porque o custo dessas empresas é muito baixo (daí sua qualidade ser tão ruim) e o seu lucro enorme. Como preveem os “lindos” contratos dos governos (de diferentes instâncias) com as empresas terceirizadas no Brasil, trabalhar para o governo é um jeito de ficar muito rico ilicitamente. Transporte, saúde e educação, serviços que são um direito do povo, precisam ser públicos. E pra quem diz que tarifa zero é utopia, basta uma googlada pra ver muitos exemplos pelo mundo; eu presenciei um deles no centro de Seattle, onde o ônibus (em ótimo estado) era gratuito.
Sobre os manifestos contra a Copa e a Fifa eu concordo em número, gênero e grau. A Copa é um ótimo exemplo dos valores invertidos no investimento estatal. E isso também ficou muito claro durante os manifestos, quando a polícia, sob o comando da Fifa e de suas marionetes governamentais, impediu, da forma mais violenta possível, que os manifestantes de BH tentassem chegar no Mineirão. O estádio é mais importante que qualquer coisa, inclusive que a vida e a integridade física da piazada se manifestando. Mais importante até do que os doentes em um hospital. Pois (se eu não me engano foi no Rio) a polícia jogou bombas de gás num hospital em pleno funcionamento só porque manifestantes (muitos deles, feridos) tentavam abrigo. Quer dizer, um estádio deve ser protegido, um hospital bombardeado. Como diziam alguns cartazes, “quando seu filho ficar doente, vá ao estádio”.
Acho que os exemplos de luta, no país todo, me fazem sair com otimismo disso tudo, mesmo após a decepção de ontem. Nada apaga a beleza daquela larva de gente tomando a ponte aos berros na terça-feira, nada apaga a verdade do grito de que, pelo menos naquele momento, a “Ilha da Magia é do povo e não da burguesia”, nada apaga o fato de que paramos a cidade, de que paramos muitas cidades. E isso, no final das contas, é o que mais importa: quebrar o ritmo da vidinha linear, desnaturalizar o cotidiano sofrido das pessoas. Mostrar que tem algo de muito errado, mesmo que não se saiba o que exatamente é o certo e como se chega lá. O que interessa é o irrepresentável da coisa toda, o contato dos corpos, e o corpo na rua.
E esse corpo não era tão pacífico assim, não como a mídia tentou vender, porque por essa mesma ponte fechada, por essa mesma catraca pulada, a galera que há quase uma década luta por uma vida sem catracas já apanhou muito; e se não apanhou dessa vez era porque tinha muita gente na rua, porque o governo, a classe dominante e a mídia viu que não tinha saída, que a massa não poderia ser contida, nem com toda a violência profissionalizada da PM do Alckmin, quem dirá da PM fracote do Colombo. De maneira tal que a Globo e todos os setores reacionários da sociedade preferiram se apropriar do movimento. 
Mas isso não é novidade pra ninguém. A apropriação da resistência faz parte do capitalismo, estão aí a imagem do Che, a moda punk, a revolução russa (apropriada pelo capitalismo burocrático stalinista), entre muitos outros, pra provar isso. Mas também faz parte da multidão – e é isso que, me parece, precisamos ter em mente agora – se refazer em inúmeras formas informes. Por isso é rebelião e não revolução. Por isso as demandas serem tão plurais, elas mesmas inapropriáveis (mesmo com a redução da tarifa, a demanda não acaba nunca). Plural e inapropriável também é a multidão, porque singular e plural, um a um, com suas singularidades, mas também uma coisa só, sem forma. Uma larva e não uma massa, mesmo que pareça massa de manobra, mesmo que se queira massa de manobra, ela nunca será isso, porque é múltipla demais, plural demais, rizomática demais. E pra mim é isso que vai ficar! Pra mim, é isso que aquela foto linda da manifestação de terça-feira (que eu não tenho ideia de quem tirou) mostra. É essa imagem que eu vou guardar, e é por essa imagem que a rua tem que ser tomada, muitas e muitas vezes. Seja lá qual for o governo, seja lá qual for a demanda…

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Sexta às 20:01

 

Retirado de: http://www.facebook.com/anacarolina.cernicchiaro/posts/10151544660933337

21 de junho, 2013: “o gigante acordou” ou “o monstro quer nos engolir”?

nas últimas duas semanas, meus sentimentos em relação ao que vem acontecendo no brasil passaram por uma espécie de montanha-russa, como os da maioria dos que conheço e, uma ou mais vezes, foram as ruas e presenciaram toda a panaceia de coisas que vocês já viram em diferentes canais de notícias.
no início, a esperança. o alento de ver uma cidade, mais uma cidade, sair às ruas reivindicando preço justo para o transporte, ou ainda mais, tarifa zero – o que considero ideal, pois pagamos impostos e os serviços essenciais nos devem ser providos. transporte e direito à cidade fazem parte disso. como reação à crítica midiática de que era muito barulho por 20 centavos, movimentos sociais legítimos, com anos de estrada, e muitas outras pessoas, começaram a mostrar que era muito mais do que isso, que havia e há muitas pautas no brasil a serem resolvidas, debatidas, avançadas.
veio nova violação aos direitos humanos, pelo braço armado repressor policial do estado de são paulo, replicado em tantos outros estados. o problema é que a quina do braço armado acertou no olho da mídia. no centro do plim-plim. e vieram os olhos roxos. seguindo os verdadeiros, os embusteiros. “dói em todos nós”. e eis que, em um segundo, a grande mídia, antes indisposta com um bando de “baderneiros”, separou o povo em duas categorias: o “militante”, prontamente associado ao baderneiro, e o “manifestante”, essa figura “da paz”, que só quer “a nação”, para além de partidos.
o vazio deixado por significantes como “a pátria”, “o país”, “nacionalismo”, “patriotismo”, ou ainda, o mais chave deles, o mais repetido à exaustão, “corrupção”, fez-se ocupar prontamente por novas palavras de ordem. muito prontamente, aqueles “que só querem a melhoria do brasil” tornaram-se indispostos “com todos os partidos”. todos, mesmo, será? quem soube jogar xadrez não apenas tirou sua polícia das ruas, deixando o caminho aberto a todo tipo de barbaridade. a barbárie parecia de encomenda. de um momento para o outro, não mais se entendia de onde partiam os tais atos violentos, os quais, à exaustão, a mídia dizia serem de responsabilidade “apenas de uma pequena parcela” dos que estão nas ruas. entorne-se o caldo, portanto, contra eles. associe-se esse eles prontamente à esquerda. associe-se dilma a um governo “de esquerda” e diga-se que a corrupção no brasil foi inaugurada ontem. o circo estava pronto.
no meu estado, duas manifestações, apenas. a primeira, abraçada pela afiliada da globo sob o signo de um “contra a corrupção”, vinha no jornal do almoço na voz de laine valgas como uma festa do calendário típico: “e florianópolis entra para o calendário nacional de manifestações”, debaixo de um sorriso plástico. estive lá, pelo direito à voz, pensando, ainda, em tantos amigos calados pelo aparelho repressor em estados brasil afora, que se mexiam enquanto nós, em florianópolis, apenas assistíamos pela tv. ledo engano. cheguei em casa me sentindo feliz, mas sem entender como havia sido tão tranquilo “invadir” uma ponte que sempre foi ponto de honra para gestões anteriores com o olhar complacente e até com aplausos de alguns policiais.
“quinta vai ser maior”, era tudo o que pensávamos. a isso, somava-se: “foca na tarifa”, “tarifa zero já”, a clássica pauta de transporte urbano e mobilidade que aflige florianópolis desde sempre. algo de podre, no entanto, rondava: cacau menezes chamava os bróders para a rua. o notícias do dia dava o percurso da manifestação em seu site, coisa nunca feita pelo MPL, pois é prática não só para evitar, justamente, o aparato repressor, como, ainda, para que os participantes definam o rumo do movimento. na universidade, meus alunos e os estudantes de graduação e de pós pintavam cartazes, organizavam a mobilização para que o evento finalmente tivesse um foco, para que o pensamento de esquerda desse as caras. nas enquetes no evento de 40 mil confirmados no facebook, no entanto, delineava-se outra coisa. “sem partidos”. saí da ufsc em um ônibus sem pagar sem muita dificuldade – o motorista abriu a porta traseira e encheu. do titri, partiu outro ônibus, que nos deixou de cara com a assembleia legislativa. eu ainda não tinha a dimensão de que a manifestação tinha se rachado em duas, e virado passeata. andava erraticamente com mais amigos pela lateral da manifestação, procurando gente que não estivesse cantando hino nacional, falando simplesmente de “roubalheira” ou achando que a corrupção, mal endêmico, nasceu ontem e tem cara, uma cara, apenas. muitos estavam focados em feliciano, pauta do momento. muito bem. mas enquanto isso, seguiam um fluxo nefasto.
fico sabendo, hoje, que alunos meus tentaram levar a placa do passe livre à frente dessa comitiva que fluiu pela mauro ramos. foram repudiados pelos que iam à frente da passeata, e ao lado da polícia, que diziam que aquilo era, sim, uma “marcha contra a dilma”, nitidamente mostrando a direção que a captura do movimento havia lhe dado. tentaram avisar – e olhe, são garotos com menos de 18 vendendo lucidez pra muito marmanjo – que algo semelhante se vira em 1964. os “anticorrupção” alegavam desconhecer do que eles falavam.
enquanto isso, nos perguntávamos: “onde está o MPL?”. pelo telefone, a resposta: o MPL havia ido direto para a ponte, com os demais grupos de esquerda, que levantavam suas bandeiras. chegamos às pontes, o grupo com bandeiras vermelhas voltava, ao passo que chegava o grupo “nacionalista” pela beira-mar. encontravam-se os dois. brados de “sem partido” eram respondidos com brados dos que chamaram a manifestação e tinham para ela um foco: “sem tarifa”. a polícia, novamente, só assistia, enquanto alguém aproveitava a “marcha anticorrupção” para vender umas “capas de chuva do paraguai – essas são sem imposto!”. não estou aqui invalidando uma centena de pautas igualmente importantes que se levantaram nos movimentos. no entanto, muitos focos andam redundando em foco nenhum. ou ainda, no aproveitamento de um descontentamento de massas em direção perigosa.
o cansaço, aliado à chuva, ia pegando os militantes que voltavam da ponte para o terminal velho, para deliberar o que fariam: um catracaço no ticen – uma vez que não há sentido protestar contra um transporte sucateado, caro e ineficiente e voltar para casa pagando por ele – ou uma ida à prefeitura (houve quem falasse em ocupação, ideia um tanto inócua quando se está molhado e naquele estado).
cansado e desiludido, triste até os ossos vendo uma manifestação popular se transformar numa final de copa, num planeta atlântida ou num festival de fotos da ponte para o instagram, e mais, vendo que se apropriavam de uma série de inocentes úteis para legitimar a instabilidade gerada país afora, fui para casa. disposto, sim, ao catracaço. ao chegar ao terminal, nova surpresa: os portões abertos. volta para casa de graça para todo mundo. patrocinada por quem? pela prefeitura, que ainda mantém um sistema de transporte precário e ameaça jogá-lo ao domínio de um empresário apenas, com a próxima licitação, de cuja transparência ainda não podemos ter certeza. uma certeza temos, apenas: a família amin, que sempre esteve nos mandos oligárquicos deste feudo chamado santa catarina, tem participação na prefeitura. e parte nas empresas que atualmente fazem nosso transporte coletivo.
voltava para casa pensando: fomos engolidos. os que sempre lutamos, desde 2004, por um novo modelo de cidade, os que apanhamos da polícia em diferentes atos do passe livre deflagrados aqui desde então, os que já acumulamos vitórias e tentamos ampliar um movimento de feição popular e democrática, graças ao “bom trabalho” dos veículos de imprensa e dos oportunistas de plantão que aproveitam tão bem as inclinações dessa massa para levá-la a se achar politizada porque está indo para a rua, porque acordou um gigante que hoje tem mais cara de monstro.
quero muito estar enganado. quero muito acordar do que uma hora pareceu um sonho e hoje parece só incerteza e ameaça. o fascismo, alguém bem disse, é metamórfico. e espraia seus tentáculos a todos os lados, agora.
por ora, tenho a dizer que, nos modelos em que as coisas estão, sem freios e sem rumo, NÃO SAIO MAIS ÀS RUAS. nunca fui o maior defensor dos partidos políticos como os temos, tanto que não sou filiado a nenhum. no entanto, já vimos antes o filme do brasil sem partidos – e ele foi nefasto. precisamos de mais democracia, e não de menos. precisamos de democracia de fato, transparência e participação popular, e uma participação construída com estudo e posicionamento, não ao sabor das ondas e da fugaz criatividade de levantar um cartaz. precisamos, sim, de educação, saúde, transportes, igualdade. mas se a história tem uma lição a nos dar, esta é: não é um regime totalitário que vai nos dar isso.
estejamos alertas, muito alertas, meus amigos.

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Sexta às 19:58

Retirado de: http://www.facebook.com/francalgeorge/posts/10151456989497816

21 de junho, 2013: culpa

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Tá, pelo que eu entendi então, a CULPA foi dos partidos? Eles desuniram tudo? Não foi a tola aceitação do argumento do [falso] apartidarismo que fez o grupo “das bandeiras” ficar isolado, mais próximo à Rodoviária e depois sair na frente quando resolveram ir pra ponte?

Geral percebeu o vazio do ato em si e sobretudo dos discursos carregados e resolveu eleger um bode expiatório…

Eu, embora não seja coligado e não apoie diretamente nenhum dos partidos que estavam ali representados por militantes e suas bandeiras, tentei estar junto a esse bloco – por afinidade às bandeiras vermelho e pretas e – por acreditar que eles têm direito a expor suas bandeiras e opiniões.

Infelizmente a pauta que eu acreditava ser importante para esse ato, a TARIFA ZERO, ficou ofuscada por manifestações de patriotismo tardio e, pra dizer o mínimo, primário. Agora é reagrupar e filtrar o viés de cobertura da RBS e afins. Esse discurso da “lindeza”, do povo “(c)ordeiro e respeitador” e todo esse blábláblá sentimentalóide que não vai mudar nada de fato.

Pelo jeito essa manifestação serviu como um fim em si. Um evento catártico e só. Amanhã, todos revigorados, satisfeitos por terem mostrado “nossa” voz…

Pobre das gotas de chuva que foram testemunhas dessa demonstração tacanha e mal elaborada de “poder do povo”.

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Sexta às 00:23

Retirado de: http://www.facebook.com/junioresrodrigues/posts/10201169607871117

No calor da hora

encontros-fogo

A ideia desse blog é reunir, como numa coletânea, textos, vídeos, fotos que reflitam ou proponham reflexões sobre as manifestações realizadas na semana de 16 a 22 e que tenham esse sabor do “calor da hora”, isto é, escritos ainda de sangue quente, coração acelerado ou, pelo menos, ainda sob o impacto desses acontecimentos, na tentativa de descrevê-los, entendê-los etc.

Se você escreveu algo ou se recorda de algo escrito no face, twitter, ou fotos ou… deixa o link aqui nos comentários para que se possa fazer esse resgate e termos mais essa peça para, na medida do possível, construir um mosaico do que foi e do que terá sido essa semana.