21 de junho, 2013: O DIA 20 EM FLORIANÓPOLIS

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As ruas de Florianópolis, no dia de ontem (20 de junho),  expressaram a luta de classe na sua forma mais acabada. Desde as quatro horas da tarde já se percebia um certo frisson nas lojas do centro, onde os trabalhadores do comércio se preparavam para a marcha. Coisa nunca vista, uma vez que, passeata, na conservadora Florianópolis, sempre foi, para o senso comum, coisa de “baderneiro”. A partir das cinco e meia da tarde começaram a chegar as vagas de pessoas. Os tradicionais militantes das causas sociais e sindicais, e os estudantes. Depois, começaram a aparecer aqueles que nunca vieram. Vinham com as caras pintadas, com tinta verde e amarela, o que sugeria que havia alguma organização por trás, uma vez que a tinta parecia a mesma.  Outros carregavam faixas de plástico, bem arranjadas, feitas em série, o que também mostrava a organização. Havia gente espalhada pela entrada do terminal distribuindo camisetas, onde se lia o mote da classe média: “abaixo a corrupção”. Alguma coisa muito orquestrada se fazia por ali. É certo que vieram também aqueles cidadãos indignados com suas causas particulares, com cartazes singelamente feitos à mão, que queriam expressar sua indignação, mas o clima que se armava era fruto de estudada organização.

Os manifestantes tradicionais, que desde sempre estiveram na rua reivindicando o direitos dos trabalhadores, fazendo as lutas coletivas, tentaram se articular junto ao carro de som. Mas, o vagalhão de gente que assomava, vinha de maneira agressiva, disposto a quebrar todas as bandeiras. O coro de  “sem partido” e “enfia as bandeiras no cú”, era puxado por alguns homens estrategicamente colocados no meio da massa. Aos poucos, a maioria foi sendo formada por uma multidão de gente que gritava, hostilizando os militantes do passe livre e os articulados em partidos e sindicatos, exigindo que eles baixassem as bandeiras. Carregando faixas e cartazes que pediam democracia, os manifestantes – paradoxalmente  – impediam o grupo de se expressar.
Sem acordo para baixar as bandeiras, uma vez que cada um ali estava se manifestando do jeito que me lhe aprazia, os militantes da luta social e popular organizada se separaram do grupo que os hostilizava. Ficaram em frente ao antigo terminal de ônibus esperando o início da marcha. De novo, um grupo de rapazes fazia a organização dos “apolíticos”. Circulava pelo meio da multidão chamando os “sem partido” para o outro lado. “Quem não tem partido é por aqui”. E a massa acorria, entre milhares de flashes que se consumavam para a devida postagem no facebook.
Quando deu sete horas da noite, o povo decidiu sair em passeata na direção da ponte. A polícia fazia um cordão de proteção, impávida. Tudo era festa. Naquela hora, o grupo dos militantes tradicionalmente organizados, sindicatos, partidos e movimento popular, deu início à marcha, caminhando em direção a ponte que liga a ilha ao continente. Nenhuma reação da polícia. A massa dos “sem partido” seguiu atrás, aos gritos de “vamos cruzar a ponte”. Um pequeno grupo de militantes, com as bandeiras tremulando, ficou parado no meio fio. Foram praticamente acossados pela multidão que os cercava e gritava, a exaustão: “sem partido, sem partido”. Como eles não baixavam a bandeira, começavam as agressões: empurrões, xingamentos, provocações. Uma violenta expressão da intolerância. Perguntei a um pequeno grupo de moças que gritava histericamente.
– Por que vocês são contra os partidos?
– Ah? É porque é sem partido!
– Sim, mas por que?
– É sem partido e pronto. Não fazemos política. Tu tem partido? – me encararam, agressivamente.
Assim, gritavam sem partido porque era sem partido. Tautologia. E diziam não fazer política, fazendo.
A tensão seguiu por todo o percurso, e os manifestantes com bandeiras não as baixaram, mas eram minoria. Entre os organizados “sem partido”, corriam as faixas, camisetas e capas de chuva. Havia ainda outro grupo perdido, sem saber exatamente onde se colocar. Caminharam juntos, num roldão, cada um aparentemente sozinho com suas demandas particulares. Prevaleceu o discurso político do “apolítico”. Ou seja, a luta de classe se mostrou na rua, claramente, sem véus. Só que dessa vez, os que sempre estiveram na rua, enfrentando a polícia e o poder, tinham seus adversários bem ali, junto a eles, gritando-lhes na cara. E a polícia, sempre hostil, “protegendo” os “sem partido”. A fala do coronel Nazareno, comandante geral do Polícia Militar, não podia ser mais explícita. Ao ser perguntado por que a polícia estava fazendo a proteção em vez de garantir o direito de ir e vir dos carros que estavam trancados, sem poder passar a ponte, ele disse: ” Esse não é um movimento particular, de trabalhadores, de sindicatos. É um movimento da sociedade”. Aí está.
A alienação segue sendo o melhor instrumento
O grito das gentes, exigindo que os partidos políticos não se manifestassem não é uma coisa gratuita, inventada pela direita que decidiu entrar de cabeça no movimento. Não. Foi apenas a potencialização de um sentimento que os próprios partidos conhecidos como esquerda – em sua grande parte – permitiram que brotasse. Desde há muito tempo que esses partidos desistiram do trabalho de base, que foi tão importante para preparar a democratização do país depois de tantos anos da violência da ditadura militar. O PT, que hoje está no governo, também é em grande parte responsável por essa “bandeira” que se mostrou na rua. Muito antes da chegada ao governo já havia diminuído o trabalho na base e, ao assumir o governo, investiu muito mais na cooptação do que na educação para a emancipação. Depois, negando-se a enveredar pelos caminhos de uma transformação mais profunda, que atingisse a estrutura dos problemas, igualmente mascarou  os problemas, preferindo apostar numa perigosa bolha de “desenvolvimento” sem politização.
No mundo sindical e no movimento social também houve uma grande desaceleração da formação política, muita gente aderiu a defesa das políticas do governo, permitindo que as fronteiras do que se conhece como direita e esquerda fossem ficando cada dia mais pálidas. Mesmo os partidos mais à esquerda, que conseguiram permanecer críticos, não apostaram na formação e no trabalho de base, não conseguiram se aproximar das gentes que passaram a viver a apoteose do consumo. Não se prepararam para um debate qualificado. Qualquer “esquerdinha” que viesse com críticas a esse modelo de crescimento e de consumo era logo rechaçado como “os do contra”.
Agora, quando a bolha de crescimento começa a murchar, a boa e velha classe média começa a se amedrontar. Os meios de comunicação de massa, que são os ventríloquos do sistema, passaram a fermentar ainda mais esse medo e, numa virada eficiente, começaram a capitalizar para a classe dominante as grandes mobilizações que começaram a surgir pela diminuição da tarifa. Com a introdução do também antigo discurso usado pela direita do “contra a corrupção”, a alienação passou a tecer sua teia. Quem não se lembra da lavagem cerebral do “contra a corrupção e fora marajás” que levou Fernando Collor à presidência do Brasil, em 1989? Foi igualzinho. De repente, do nada, do fundo das Alagoas, surge um jovem político fazendo discurso contra a corrupção, despolitizando o debate, tirando o foco dos grandes problemas estruturais do Brasil. Era o bonitinho da elite, prometendo acabar com os corruptos. Obviamente não o fez. Pelo contrário, foi deposto por corrupto. Mas essa história parece nunca ter sido contada aos milhares de jovens que agrediam os militantes que insistiam em carregar suas bandeiras.
E assim, o que vai tomando conta das cabeças é de novo esse discurso vazio, raso, sem sentido. Um “contra a corrupção” que se levanta contra uma ou outra pessoa, particularizado e roto. Não há uma compreensão do que seja de fato a corrupção real, a que enfraquece a soberania de um país. A que é cometida pelos grandes bancos, pelos sistema financeiro, pela elite dominante.  Então, paga-se o preço do trabalho de formação que não é feito e da nossa incapacidade de construir um partido revolucionário de verdade.
A luta de classe não é só um passeio na chuva, com batalhas de palavras de ordem. Mas isso é a expressão concreta das divergências sobre o tipo de sociedade na qual grupos distintos querem viver. Esse confronto verbal – e em alguns momentos físico – explícito na rua deve servir para que esquerda real se reorganize, com muito trabalho e muito estudo. É hora então de os partidos, sindicatos e movimentos populares organizados analisarem suas práticas, ajustarem suas bússolas, recuperarem o   trabalho na base. Os 10 anos de governo do PT, (reconhecido como partido de esquerda), com seus “estranhos” aliados ( PC do B, PMDB, PSC e outros minúsculos, reconhecidamente conservadores)  amorteceram a luta, confundiram as gentes. Agora, a velha direita arreganha os dentes e se prepara para o ataque.  É hora de destruir a “estrela da morte”. O faremos?
Elaine Tavares

21 de junho, 2013: Revista Naipe – EXPLICANDO PRA CONFUNDIR

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[Foto: Stefano Maccarini]

Já disseram por aí: só não está confuso quem está mal informado.

Estamos muito confusos. Cobrimos a primeira manifestação de Floripa e relatamos aqui. Voltamos da segunda, que mobilizou 30 mil (ou 50 mil, segundo cálculo por m² da Naipe) pessoas ontem (20/6) tão atordoados que em vez de reportagem preferimos traduzir o que vimos em opiniões.

1) “Descobri hoje que temos um policial do choque dentro de cada um de nós”

Perdemos. E perdemos feio. Justo no dia que saí de casa com a esperança de ver uma cidade unida, nos despedaçamos. O governo e a polícia finalmente descobriram como nos dispersar. Não é com spray de pimenta, gás lacrimogêneo, balas de borracha ou cassetetes. O jeito mais eficiente de nos dividir é nos deixar sozinhos pelas ruas, nos entregar a chave da cidade.

Nunca nossas diferenças foram tão evidentes. Os cartazes de uns incomodaram os outros, as bandeiras de uns injuriaram os outros. Sinalizadores, máscaras, faixas, narcisismo, ideologias. Tudo se tornou motivo pra nos colocarmos em lados opostos. Descobri hoje que temos um policial do choque dentro de cada um de nós, tentando impedir os outros de se expressarem. Um povo que passou a vida inteira apanhando acabou desaprendendo a bater. Nos tornamos apáticos, simpáticos, pacíficos.

A noite deveria ter sido feita de caras sérias, olhares de revolta, gritos vindos da alma. Mas a única coisa que se viu foram sorrisos e risadas, como se estivéssemos comemorando. Nunca estivemos tão longe da vitória, amigos. Nunca fomos tantos e ao mesmo tempo tão poucos. A lista de reivindicações é tão extensa que não sabemos por onde começar. Transporte, saúde, segurança, educação, emprego, corrupção. Tem algo que podemos elogiar nesse país?

Pela primeira vez em dez anos do Movimento Passe Livre a imprensa e os políticos nos dão tapinhas nas costas. Talvez porque estejamos caminhando pra direção errada, enrolados numa bandeira que não construímos. A maioria não saberia dizer quantas são as estrelas estampadas. Os políticos nunca foram dormir tão tranquilos e eu nunca fui dormir tão desesperado. Amanhã vai ser menor.

Fabrício Finardi

2) “Precisamos de lideres nesta manifestação, não precisamos de maniFESTA”

Ontem levei meu filho de 13 anos para a manifestação porque pensei que seria um momento histórico que ele precisava participar, mas quando chegamos na ponte ele me perguntou: “E aí, pai?”.

Dormi e acordei com a mesma pergunta. E aí? Saí de casa, peguei trânsito, chuva, caminhei duas horas, tomei a ponte, passei mais uma hora dentro do carro esperando pra voltar para casa. “E aí?” parece coisa de vida após a morte, sempre fica aquela dúvida: para onde vamos, mesmo?

Continuo com a minha opinião inicial. Precisamos de lideres nesta manifestação, não precisamos de maniFESTA. Precisamos, sim, ir para a rua, mas com objetivo bem definido e com pessoas que realmente queiram mudar o Brasil. Para mudar qualquer coisa existe sempre um objetivo claro com liderança consciente e ativa.

Thiago Steiner

3) “O desejo de ser parte da história está pondo em risco o resultado de uma revolução jovem”

Li, dia desses, uma frase que levou três dias para ser inteiramente assimilada. Em 1994, Paulo Freire escreveu em seu livro Cartas à Cristina, a seguinte reflexão: “A pessoa conscientizada tem uma compreensão diferente da história e de seu papel nela. Recusa acomodar-se, mobiliza-se, organiza-se para mudar o mundo”.

Depois de assistir a transformação da manifestação nos mesmos três dias, concluí: não dá pra sobrepor as lutas, uma sobre a outra, com tanta velocidade, com tanto volume amorfo. Uma massa está sendo levada sem rumo, sem reflexão. Filosoficamente falando, a falta, o sentimento de pertencimento, o desejo latente de ser parte da história, está colocando em risco o resultado de uma revolução jovem. Tão jovem que não se preocupa, então, com o próprio papel na hora de protestar. Por enquanto, querem fazer parte, querem estar lá.

É complexa a busca interior de saber pelo que se luta. Verdadeiramente, muitos não têm experiência para saber. A sensação de que tudo ficou tão estranho, porém, é positiva. Agora está na hora de repensar a própria postura. Está em tempo de olhar para dentro de si antes de sair novamente às ruas. Qual é o seu papel na história?

Pollyanna Niehues

4) “Vou torcer para que na próxima manifestação a Ritalina venha diluída na chuva”

Para usar a própria ‘profundidade’ da web, segundo o Wikipedia “o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é uma síndrome caracterizada por desatenção, hiperatividade e impulsividade causando prejuízos a si mesmo e aos outros”. Segundo a OMS, cerca de 4% dos adultos e de 5% a 8% das crianças e adolescentes de todo o mundo sofrem de TDAH.

Digamos que ontem vimos 30 mil pessoas na rua e que a grande maioria era de adultos (sim, eu sei que não). Tenho certeza que não tínhamos só 1200 pessoas, 4% dos 30 mil, com agendas e focos que mudavam a cada minuto. Ontem Floripa deve ter batido recordes na história das psicopatologias. Vou torcer para que na próxima manifestação a Ritalina venha diluída na chuva.

Diogo Rinaldi 

5) “Não admite, o típico intransigente, que as pessoas passaram a semana se politizando”

Ler a ingratidão de muitos politizados no Facebook me dá uma tristeza gigantesca.

Para evitar mal entendidos, não é demais deixar antes aqui um parágrafo “eu sei”. Eu sei que a dispersão é tanta que há momentos de constrangimento no meio da manifestação; que o grito “sem partidos” tem prazo de validade, não faremos política sem eles; que independente de como se avalie ontem, o amanhã está em aberto; e que observar a versão passeata do nosso individualismo pode ser deprimente, como no caso da famigerada autofoto para o Instagram.

Descontando isso tudo, o que temos? As manifestações mais relevantes do país em duas décadas. As pessoas ontem tinham todos os matizes: muitas fizeram cartazes, muitas apenas caminharam cantando os coros que vieram, aprendendo o que é a ocupação noturna do espaço público, sendo um número. É pouco? É muito! O típico ombudsman de passeata, contrariado com as manifestações, ainda não entendeu o impacto de fechar cidades populosas por horas; não entendeu que políticos se preocupam mais com uma massa numerosa e variada assim, que inclui até mesmo engravatados de altas esferas, do que com os (louváveis mas muitas vezes inflexíveis e auto-interessados) bolinhos partidários.

Não admite, o típico intransigente, que as pessoas passaram a semana se politizando; que os protestos ocorrem em um contexto mundial democrático bem mais saudável do que o dos anos 1960 (tornando capciosa a comparação com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, por exemplo); e que, enfim, uma boa democracia é isso, um protesto pacífico ao lado de quem pode ter pouco a ver com você.

Thiago Momm

6) “É mais fácil condenar ‘a corrupção’ do que lutar por aquilo que está perto”

Sou das que, na terça-feira, ficou maravilhada ao subir a ponte Colombo Salles e ver que à minha frente e atrás de mim os olhos não alcançavam o fim da multidão. Mas (desculpa aí, galera!) estou desconfiada. Acredito – e temo – que muita gente estivesse ali só pela glamourização da coisa, pela dimensão do espetáculo e pra dizer de peito inflado: “Eu ajudei a mudar o país”.

Nós temos, sim, o poder de mudar as coisas e manifestações como essas poderiam ser um passo para isso, mas não são o suficiente. Pode parecer clichê dizer isso, mas a mudança também ocorre em pequenas ações. Quantos de nós já compareceram a uma sessão da câmara? Quantos já fomos a uma reunião de bairro ou de condomínio? Mudar o país é dizer para uma criança quando vir alguém furando fila no trânsito: “olha só, isso é corrupção!”.

É mais fácil condenar “OS POLÍTICOS”, “A CORRUPÇÃO”, “A IMPRENSA”, do que lutar por aquilo que está perto. Afinal, discutir com vizinho gera incômodo e participar da política dá trabalho. É legítimo e digno de aplausos lutar por uma causa justa, mas ter coragem de olhar nos olhos todos os dias e respeitar quem pensa diferente da gente pode parecer pequeno, mas também é grande parte da mudança.

Bárbara Dias Lino

7) “Mais narcisismo que ativismo”

Na mesma Florianópolis onde em 2004 a polícia descia o cacete em integrantes do Movimento Passe Livre, abrem-se alas para que a ponte seja ocupada por 30 mil pessoas – muitas das quais, há duas semanas, nunca teriam ido pro asfalto mostrar insatisfação. Até ontem, eu achava essa mudança linda. Até ontem, quando o Movimento Passe Livre foi hostilizado novamente, desta vez por gente que também estava lá pra se manifestar.

Não foi só isso que ativou as  três pulgas que dormiam atrás da minha orelha desde terça-feira. Enquanto subia no maior símbolo da imobilidade ilhoa, não consegui me sentir parte. De absolutamente nada. Poucos gritavam, muitos tiravam fotos de si mesmos: mais narcisismo que ativismo, mais sorrisos que indignação.

A maioria das pessoas estava feliz. Feliz na mesma semana em que – só pra citar um fato absurdo – Marco Feliciano enfiou goela abaixo o infeliz projeto da “cura gay”. No dia seguinte à invasão do teto do Congresso em Brasília, apenas dez manifestantes foram ao chiqueirinho de Feliciano protestar.

Aquele vazio – não de pessoas, mas nas pessoas – lá na ponte me deixou com receio. Um amigo me disse estar com uma forte sensação de estar servindo de massa de manobra. O que me lembra que li em algum lugar a notícia de uma cidade mineira em que a polícia acompanhou os manifestantes ao som da banda de música da PM. Não consigo parar de me perguntar: estamos dançando a música de quem?

Rosielle Machado

8) “Transformamos protesto em caminhada. A manifestação virou esquenta”

Mandaram: #vemprarua. Obedeci. Acompanhei a multidão, subi na ponte vazia de carros. Vi cartazes lindos e outros absurdos. Gente que pedia mais amor, por favor, e gente exigindo impeachment. Gente orgulhosa de ter levantado a bunda da cadeira, sair do Facebook. Mas é mentira. Nós não saímos do Facebook, só o levamos pras ruas. Estávamos fazendo check-in na manifestação, curtindo o momento, fazendo pose para fotos. Já fizeram até um Spotted: Manifestação. Faltou compartilharmos uma ideia comum. Faltou foco.

Disseram: #ogiganteacordou. Eu também disse, também tuitei, também postei. Sem diminuir militantes que batalham há tempos por suas pautas, pelo contrário. Pra mim, o gigante tinha acordado justamente porque os brasileiros estavam todos mobilizados, atentos à mesma reivindicação, em uníssono. Erro meu. Não há unidade nessa manifestação. Essa foi a parte que não entendi, porque ontem havia um propósito claro: protestar a favor do passe livre. Mas um punhado de gente estava lá só tentando tirar casquinha. Transformamos protesto em caminhada. A manifestação virou esquenta.

Gritaram: #opovounidojamaisserávencido. Eu fiquei em dúvida: quem é o inimigo aqui? A ideia de “protestar por um país melhor” é linda, mas vazia. Atirar pra todos os lados não é estratégia, é imaturidade. Agregar bandeiras a uma causa já estabelecida é válido, mas por que estamos saindo da luta inicial? Está provado que conseguimos nos mobilizar. Agora, precisamos parar de achar que tudo é festa. Como bem resumiu uma amiga, “fui pra manifestação, mas voltei do Carnaval”.

Lucas Pasqual

9) “Florianópolis é referência na luta pela tarifa zero. Ontem, rasgamos essa imagem a cada passo”

“Não se apaixonem por si mesmos. Esse movimento todo é lindo, mas o que importa é: o que vai mudar?”, disse o filósofo esloveno Slavoj Zizek, durante o Ocuppy Wall Street em 2011. Manezinhos, nativos ou não, marcharam orgulhosamente pelas pontes ontem. Mais de 30 mil de nós, disse a Polícia Militar – que só acompanhou, calmamente, os calmos manifestantes. A mesma Polícia pesou a mão em todas as outras manifestações do Passe Livre na ilha. Antes, a população se aborreceu porque atrapalhavam o tráfego: “essa cambada de vagabundo”, diziam. Hoje, todo mundo era a favor de fechar avenidas.

Mudamos tanto assim? Ou apenas pegamos carona na indignação nacional? Floripa não podia ficar de fora da última palavra em manifestações. Assim, convocadas às pressas (e já com atraso em relação a outras capitais) pelo Facebook, as pessoas se apressaram em confirmar presença no evento do momento. Provavelmente saíram de casa indignadas com “tudo isso aí”. Mas em que momento essa indignação virou apenas um passeio entre amigos?

Na verdade, nunca houve chance de ser algo mais do que foi. Alguns chamaram a tomada das ruas de micareta, outros de maniFESTAção. Houve quem preferiu “cortejo fúnebre”. Se é que já houve vontade revolucionária na cidade, ela se foi com a Novembrada, em 1984. Há tempos somos apenas a ilha mágica das praias, do melhor IDH, do povo sarado e das promessas de verão. As mesmas famílias de sempre se alternam no poder, sempre as mesmas maracutaias e arranjos, mas e o meu bronzeado do fim de semana?

Florianópolis é referência nacional na luta pela tarifa zero. Ontem, andando ordeira e calmamente, como pedia a TV, rasgávamos essa imagem a cada passo. As fotos das pontes lotadas ficaram lindas. Em casa, eu assistia à aglomeração e me sentia frustrado por não ter ido – uma cirurgia no joelho me lembrava que era melhor ser prudente. Talvez pudesse haver confusão, exaltação política, indignação! Sei lá o que achei.

Jerônimo Rubim

10) “É o Brasil nas ruas, o bom e o ruim dele”

Difícil, mas deixem-me aqui tentar tomar uma posição ambivalente.

A todos que criticam os coxinhas e despolitizados que foram à manifestação com camiseta de futebol, ou cantaram o hino nacional que você achou meio fascista, ou que não sabiam as cantorias do Movimento Passe Livre de cor: sinto muito. É o Brasil nas ruas, o bom e o ruim dele. Vocês não queriam que as pessoas saíssem de seu sofás, desligassem a Globo e desconectassem do Facebook? Pois então. É essa galera. Agora ajudem a mobilizar a nação na direção certa. Vocês precisam deles para esse protesto.

A todos que gritam “sem partido, sem partido,sem partido” até estarem mais esbaforidos e vermelhos que a bandeira mais comunista: sinto muito. É esse pessoal que está preocupado com as coisas concretas que vão nos levar de um país que gasta milhões em estádios a um futuro “sem corrupção” e com “mais saúde e educação”. Isso não vai cair do céu, muito menos ser entregue de bandeja. Vocês precisam deles pra essa caminhada. Sair pra rua não basta. Mas é um bom passo.

Bruno Rinaldi

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Extraído de: http://revistanaipe.com/na-rua/explicando-pra-confundir/

Passa palavra: 20 de junho: a Revolta dos Coxinhas

Florianópolis

Terça-feira, 18 de junho

Na terça-feira houve uma manifestação convocada pelo Facebook por um estudante da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) entusiasta de revoltas. Na empolgação com o que ocorria em São Paulo e no resto do país, ele resolveu criar o evento na rede social na noite de segunda-feira. O chamado à manifestação incluía diversas pautas: a tarifa zero, as PECs, a corrupção, o blablablá e terminava com um indigesto “pelo que você quiser”. Terça-feira à noite a manifestação reuniu pelo menos 20 mil pessoas. Florianópolis tem 420 mil habitantes e até então nunca havia visto algo com aquele tamanho.

Um parêntesis. Participei, desde 2004, de todas as campanhas contra o aumento da tarifa aqui na ilha, com a exceção da de 2010. Apenas durante a Revolta da Catraca de 2004 a Polícia Militar se mostrou “pacífica” (a prefeita era oposição ao governador e havia eleição municipal naquele ano), mas mesmo lá apanhamos todos quando resolvemos desobedecer o acordado e ir ocupar as pontes da cidade. Em todas as outras campanhas por redução da tarifa a PM foi rigorosamente truculenta. Fecha o parêntesis.

A manifestação parecia um bloco de carnaval. Todos de branco, felizes e orgulhosos, cantando o hino nacional e protestando contra qualquer coisa. Por poucos momentos vi a turba cantar as conhecidas músicas do Movimento Passe Livre (MPL) e quando isso acontecia era por um brevíssimo momento. A manifestação que se concentrara à frente do Ticen (o terminal central de ônibus) percorreu o caminho em direção à Assembleia Legislativa (que foi onde a encontrei) e de aí atravessou a avenida Mauro Ramos em direção à avenida Beira-mar.

Somente durante as Revoltas da Catraca de 2004 e 2005 conseguimos alcançar a avenida Beira-mar. A partir de então sempre nos foi impossível botar os pés lá. Acontece que na manifestação de terça-feira não houve impedimento algum. Aquilo estava por demais estranho. O próprio contingente policial era irrisório para o tamanho da manifestação. Mas, por outro lado, a manifestação não apresentava perigo algum à ordem. Quem bloqueava as ruas e coordenava tudo era a PM e assim o foi até o fim.

Percorrendo a Beira-mar era visível o desânimo das pessoas de esquerda que eu encontrava pelo caminho. Estavam isolados, em pequenos grupos, perguntando-se que coisa era aquela. Alguns desanimados, outros emputecidos, mas todos, sem exceção, engolidos pela Marcha dos Coxinhas. Da Beira-mar passamos facilmente à ponte Colombo Salles, que já estava fechada para o trânsito. Tudo organizado pela PM. Não foi a manifestação que ocupou a ponte. Foi a PM que fechou a ponte para os coxinhas irem lá bater fotos para postarem no Facebook. Era por volta de 20h30 quando todos chegaram à ponte e já às 20h45 começava a dispersão. Parecia na verdade que todos estavam apressados para chegar às suas casas e não perderem a novela.

Caímos no desânimo e às 21h já estávamos na Travessa Ratcliff, pequeno refúgio da boemia da cidade, afogando as mágoas na cerveja. Às 21h30  apareceu uma turma um pouco mais animada, porque haviam feito um catracaço no Ticen. Depois fiquei sabendo que a polícia deixou todos eles fazerem aquilo e que o próprio presidente do sindicato das empresas de ônibus já havia liberado os ônibus gratuitamente aos manifestantes. Não houve confronto algum. Tudo aquilo não passara de encenação.

A cerveja desceu amarga aquela noite. Não era só porque havíamos sido engolidos pelos coxinhas. Mas porque havíamos sido completamente derrotados no campo de batalha que sempre foi o nosso: as ruas. Ao contrário do que ocorria em outras cidades, onde o MPL ou o similar havia começado as manifestações para depois elas serem apropriadas e as pautas diluídas, em Florianópolis logo a primeira manifestação foi coxinha. Completamente coxinha.

Quarta-feira, 19 de junho

Por conta de tudo o que havia acontecido na noite anterior, os partidos e coletivos de esquerda de Florianópolis resolveram articular-se para a manifestação que estava marcada para quinta-feira. O MPL decidiu antecipar em uma semana o debate sobre tarifa zero que iria promover a fim de tentar pautar a discussão em torno da questão da mobilidade urbana. E foi marcada com todos os grupos de esquerda uma reunião ampla após esse debate.

O debate contou com um número surpreendente de pessoas. Havia mais de duzentas; o auditório do Centro de Filosofia e Humanas da UFSC ficou completamente lotado. Quem conhece o dia a dia do MPL sabe como é difícil ter tantos interessados no assunto. A reunião que seguiu o debate foi algo que nunca vi. Toda a dita esquerda (PTPCdoBPCB, PSTU, PDT, Coletivo Anarquista Bandeira Negra, Brigadas Populares, Juventude Comunista Avançando, MPL, feministas e independentes) decidiu unificar sua participação no ato do dia seguinte sob a pauta da tarifa zero. A Frente de Luta Pelo Transporte, pela primeira vez desde que foi criada em 2005, decidiu agir como uma coisa só. Ficou acordado que cada partido poderia levar sua bandeira — ora, o PSTU havia sido hostilizado no ato de terça-feira, tendo suas bandeiras rasgadas e uma militante agredida — e que teríamos uma postura pedagógica no ato, procurando dialogar com a massa difusa que certamente iria à manifestação.

Quinta-feira, 20 de junho

O dia amanheceu chuvoso e frio. Muitos da esquerda imaginavam que isso esvaziaria a manifestação. Mas já no meu trabalho percebi que não. Cheguei ao trabalho e todos estavam animados para a manifestação. Uma colega apareceu com uma camiseta onde estava escrito “Sou brasileira e não desisto nunca”. Disse que tinha comprado no site do Luciano Huck. Esse é o ambiente onde trabalho. Coxinhas, coxinhas por todas as partes. E lá estavam eles, preparando-se para o grande ato. Todos com câmeras e capas de chuva, além de bandeiras do Brasil e cartazes contra a corrupção. E como tanto o prefeito quanto o governador estavam apoiando a manifestação (ambos do PSD), fomos todos liberados do trabalho às 16h30.

Dirigi-me ao Terminal Central de Ônibus (Ticen), mas ainda no caminho uma amiga avisou por mensagem que um confronto já se havia iniciado. Um grupo tentara tirar as bandeiras de quem ali estava. Cheguei perto das 17h à concentração. O clima era tenso. A Frente de Luta Pelo Transporte (umas 300 pessoas àquela hora) estava no passeio da av. Paulo Fontes, em frente ao Ticen, completamente envolvida por pessoas hostis às bandeiras de partido. E isso que a concentração fora marcada para às 18h. Tentamos intervir no grito, substituindo o “sem partido!” dos coxinhas raivosos por “sem tarifa!” ou “sem catraca!”, mas apesar da coisa ter surtido efeito, os partidos, amedrontados, decidiram afastar-se dali. Há um vídeo desse episódio, pode ser visto aqui.

Depois disso, a PM formou um cordão de isolamento entre a Frente e os demais manifestantes. E fomos alvo de provocadores. Um sujeito apareceu ao nosso lado com um cartaz onde se lia: “Militares, voltem para botar ordem neste país!”. A coisa ia mal. Rapidamente resolvemos designar um pequeno grupo para ir aos manifestantes e convencê-los a juntarem-se ao nosso grupo. Durante todo o tempo éramos observados por figuras estranhas, não sei se P2 ou fascistas organizados. Quando se deu isso, eram já 18h e a Marcha dos Coxinhas partiu para o outro lado em direção à Assembleia Legislativa. Como muita gente acabou chegando depois da partida dos coxinhas, acabamos conseguindo juntar bastante gente perdida ao nosso grupo e forçamos um retorno para a frente do Ticen. Não sem um pouco de conflito e muito grito pedindo unificação e foco na tarifa. Organizamo-nos num grupo relativamente coeso de 10 mil pessoas aproximadamente e partimos em direção às pontes.

O caminho até às pontes foi marcado por diversas tentativas de insulto e agressão aos partidos que ali estavam. A ação conjunta da Frente de Luta Pelo Transporte, contudo, evitou maiores confrontos. Entramos na ponte cantando, gritando e pulando pela tarifa zero, numa demonstração nunca antes vista na cidade. Ocupamos as duas pontes por um bom tempo. No retorno à ilha, já na cabeceira da ponte, nos encontramos com os coxinhas que acabavam de chegar, vindos da av. Beira-mar.

Quem estava com bandeira de partido foi hostilizado, perseguido. O principal alvo eram os militantes do PSTU. Aos gritos de “PSTU, vai tomar no cu!”, muitos grupos perigosamente se aproximavam do nosso espaço. Como saí do trabalho direto para a manifestação, estava vestido de coxinha, praticamente um militante à paisana. Nessa hora um desses bombadinhos me puxou de canto e convidou para espancar o povo do PSTU. A coisa não ia nada bem. Não demorou muito até um grupo agredir fisicamente os trotskistas.

Depois de sairmos da ponte, fomos em direção à Praça XV. De lá seguiríamos à Prefeitura. Por falta de organização, porém, nossa manifestação se desarticulou. Parte voltou ao Ticen, parte foi à Prefeitura e outra parte foi ao gabinete do prefeito. Espalhados pelo centro da cidade, muitos sem saber onde exatamente ficava a Prefeitura, a manifestação dispersou. Florianópolis tem esse problema, notadamente com os estudantes da UFSC, que só conhecem os arredores da Universidade. Conhecem muito pouco o centro. Certamente muitas manifestações teriam outra configuração se os seus participantes compreendessem minimamente a geografia do centro da cidade. O grupo que se dirigiu ao gabinete do prefeito teve ainda de enfrentar o ódio antipartidário dos coxinhas e correr dali para não terem o mesmo destino dos militantes do PSTU.

A PM estima em 30 mil o número de pessoas presentes na manifestação de quinta-feira. Mas outras estimativas falam em 50, 70 ou até 100 mil pessoas. Independentemente do número, certamente havia mais coxinhas do que pessoas organizadas pela Frente de Luta Pelo Transporte nesse ato. E os coxinhas estavam organizados. De forma difusa certamente. Mas costurando com pautas genéricas e moralistas o tecido social onde um certo tipo de direita adora desfilar.

Parte relativa a Floripa retirada de: http://passapalavra.info/2013/06/79726

20 de junho, 2013: 30 mil

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Em primeiro lugar, peço desculpas por ter enchido tantas timelines por estes dias. Este deve ser meu último post sobre o assunto das manifestações. Peço desculpas também pela minha declaração há alguns dias de que “a minha geração estava fazendo história”. Um equívoco. Não tenho vergonha nenhuma de mudar de opinião. O que escrevo abaixo não é opinião. É constatação. Só não enxerga quem não quer. O texto ficou gigante. Você, que não entende o que está acontecendo provavelmente não lerá.

Se você tem a vã ideia de que o povo brasileiro tenha mudado um pouquinho sequer por ter ido para as ruas reclamar, você, infelizmente, está absolutamente enganado. O gigante pode até ter acordado, mas ainda não lê e está com os olhos tapados. Trinta mil foram às ruas de Floripa hoje. Tudo muito bom, tudo muito bonito. Mas a tendência nacional se repetiu na ilha. Cheguei um pouco atrasado ao “protesto” (entre aspas, porque não houve um). Caminhei por cerca de quatro quilômetros entre os manifestantes que, na teoria, foram às ruas apoiar o Movimento Passe Livre na luta por um transporte público melhor.

Nestes quatro mil metros tentei por várias vezes, incitar as pessoas a gritarem pela causa, a diminuição da tarifa. Não obtive sucesso uma vez sequer. Os gritos eram variados, e raros. Cada manifestante foi para a rua com uma (ou mais) reivindicações cada. A maioria foi sem nenhuma – até porque protestar contra a corrupção (em geral, sem nenhuma reclamação concreta), pela saúde, pela educação, pela moral, pelos bons costumes, todos de uma vez só, não significa nada. Em absoluto. Nada.

Durante a tediosa caminhada, na absurda maior parte do tempo havia silêncio. Mais parecia uma romaria religiosa, uma caminhada contra o câncer ou coisa do gênero. Haviam algumas reações comuns, que aconteciam de tempos em tempos. Pessoas criticando RBS/Globo, cantando “eu sou brasileiro com muito orgulho” e gritando de alegria ao ouvir buzinas de apoio dos carros ou acenos dos apartamentos. Notem. Nenhum sinal de protesto. Nenhum. Li muitos cartazes sobre diversos assuntos, mas grito, pressão popular não houve.

Não há como mudar nada sem lutar. Caminhar na rua parando para tirar fotos e colocar no Facebook não conta. O protesto pode ter chego ao seu pico em número (talvez não) nos moldes em que está acontecendo. As pessoas da minha geração, que não lê, não se informa, não se politiza, continuam ignorantes como antes. A única diferença é que resolveram ser ignorantes na rua. Isso é muito triste, muito. Não fazem a mínima de ideia de contra o que querem protestar. Não fazem ideia de que não estão protestando. 

Foram fechadas as ruas que a cidade já estava pronta para fechar, nos horários combinados e sem causar grandes transtornos. No governo, nem cócegas. Risadas, muito provavelmente. Mas daí você vai me dizer: as pessoas não protestaram contra algo porque não havia uma liderança coordenando. Prepare-se, agora vem a pior parte.

As pessoas que iniciaram os protestos, o Movimento Passe Livre e outros movimentos sociais alinhados foram agredidas. Confesso não ter visto o início, onde dizem ter acontecido muita coisa. Mas após os quatro quilômetros, finalmente os encontrei. Finalmente, um grupo gritando unido por uma causa. Fiquei feliz. Todos unidos contra a tarifa, mesmo pertencendo a diferentes organizações – vi PSTU, PSOL, PT, Movimento Sem Terra, bandeiras comunistas em geral e pessoas sem nenhum símbolo de qualquer movimento.

Este grupo, de pessoas que criaram o movimento que foi o tal estopim nacional foi hostilizado do início ao fim. Várias tentativas de agressão aconteceram (algumas muito covardes, de oito pessoas contra uma). Inúmeras foram as pessoas que tentaram arrancar as bandeiras, indo contra a democracia e a liberdade de expressão. Fiquei com este grupo, não tão grande, mas que lutou até o fim. Fomos à prefeitura e fizemos um manifesto bonito, mas não expressivo e não reconhecido – como eles fazem há anos.

A maioria, no entanto, que se concentrou em gritar “sem partido” para este grupo, realizou apenas este protesto. Uma manifestação ridícula anti-bandeiras. Mais uma vez, nada. Este movimento gigantesco, de pessoas vazias e que foram para a rua pela vontade de aparecer em mais uma das modinhas da era da internet, não chegará a lugar algum. Tem duas saídas.

Na primeira, acaba dentro de pouco tempo, e tudo volta ao normal brasileiro. As pessoas já tiraram as fotos que precisavam e o movimento passa. A insatisfação sem conhecimento e motivo concreto continuará perpétuo enquanto as pessoas não investirem em seu intelecto. Na segunda, pode culminar em uma eleição de Aécio Neves em 2014. O movimento anti-Dilma (criado pelo simples e eterno descontentamento com qualquer governo atual de qualquer época, mas sem embasamento, no caso) cresce. Acho que não terá força para derrubar a Presidente, mas pode evitar sua reeleição no ano que vem. E voltaremos à era Tucana, pois o povo esquece rápido e eles surgem como solução.

É impossível protestar sem conhecimento. Tentar pressionar tudo não pressiona nada. Caminhar na rua não é manifestar nada além de uma insatisfação. Aos que saíram para protestar de verdade parabéns. Vocês significaram alguma coisa. Para mim, acabou. Pelo menos da forma que está. Na luta deste outro grupo, continuarei. O grupo que criou, que sempre lutou e foi renegado.

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Quinta às 22:56

 

Retirado de :https://www.facebook.com/photo.php?fbid=470290339719097&set=a.119342218147246.28015.100002144067160&type=1&theater

No calor da hora

encontros-fogo

A ideia desse blog é reunir, como numa coletânea, textos, vídeos, fotos que reflitam ou proponham reflexões sobre as manifestações realizadas na semana de 16 a 22 e que tenham esse sabor do “calor da hora”, isto é, escritos ainda de sangue quente, coração acelerado ou, pelo menos, ainda sob o impacto desses acontecimentos, na tentativa de descrevê-los, entendê-los etc.

Se você escreveu algo ou se recorda de algo escrito no face, twitter, ou fotos ou… deixa o link aqui nos comentários para que se possa fazer esse resgate e termos mais essa peça para, na medida do possível, construir um mosaico do que foi e do que terá sido essa semana.