21 de junho, 2013: Como tudo pode não levar a nada

 

 

Como tudo pode não levar a nada

vem pra rua

Por Paulino Júnior.

O mais perigoso no capitalismo, conforme o filósofo esloveno Slavoy Zizek, é que sustenta uma constelação ideológica, privando a maior parte do povo de qualquer mapeamento cognitivo significativo. O capitalismo é a primeira ordem socioeconômica que destotaliza o significado.

Estamos assistindo in loco a exata constatação disso, como uma manifestação social, articulada e legítima, tornou-se um mero passeio cívico – o caráter de ameaça foi isolado e em seu lugar foi posto o da participação. A mídia oficial provou que a melhor maneira de boicotar não é proibir, mas impor. Todo e qualquer cidadão preocupado em melhorar o Brasil que levasse sua indignação para a rua em uma cartolina (compondo assim esta constelação ideológica). Não à toa esta “coqueluche” tem sido vinculada ao movimento “cara pintada”, arquitetado coreograficamente para desempenhar um dos paradoxos da liberdade na democracia burguesa: travestir de iniciativa própria o que é previamente roteirizado.

Para tanto, a polícia até auxilia, formando um cercado tranquilo e aconchegante para que as pessoas se emocionem e rebolem com os versos do hino nacional. Na verdade, o que está em jogo, como acontece nas eleições (cinicamente chamadas de “festa da democracia”), é uma renovação de votos com a sociedade liberal burguesa.

Em muitos momentos parecia até mesmo que a maior preocupação dos manifestantes era identificar os “vândalos” e “baderneiros”, combinando inclusive pelas redes sociais em “facilitar a ação da polícia”. Cabe então a pergunta: estas manifestações são pacíficas ou passivas?

Foto de telefone: Larissa Cabral.

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Contribuição do Paulino Júnior que publicou originalmente em: http://desacato.info/2013/06/como-tudo-pode-nao-levar-a-nada/

Isso é sim sobre 20 centavos: conservadorismo nos movimentos sociais.

Existe uma estrutura construída socialmente ao longo da história. Essa estrutura permeia e media todas as nossas relações, em todos os âmbitos, desde nossas relações pessoais com nossa criança que ainda nem nasceu, até as impressões internacionais das pessoas de outras nações que nunca conheceremos na vida. Esta estrutura se constrói na história através do poder, porque ela é uma estrutura que se estabelece através da retenção. Estamos falando do Estabelecimento — um conceito utilizado principalmente por anarquistas para grifar os caraceteres intersecionais de nossos esforços contra o Capital, o Estado, e qualquer outra forma de opressão.

Quando nos organizamos no feminismo contra o patriarcado, por exemplo, podemos incorrer no erro de fazê-lo esquecendo-se e invisibilizando a realidade de muitas1013910_450651248383840_1593551519_nmulheres, nomeadamente como apontaram correntes como o feminismo negro e o transfeminismo. Isso significa que estamos reproduzindo uma forma de poder para chegar ao desmantelamento de outra. O que significa que caso vençamos, teremos subjugado a outra classe. Suponha que o feminismo tenha grandes vitórias deste ano para daqui a dez anos. Se ele tiver ignorado as realidades de mulheres negras proletárias, é bem possível que gigantesca parte de suas conquistas não atendam as suas realidades e, portanto, tenha resultado em conseguir direitos que estabelecem a mulher branca e burguesa acima da mulher negra e proletária. Por mais que vários dos direitos conquistados possam servir também a mulher negra e proletária, a ausência de consideração do outro lado faz com que o tempo de luta resulte em deixar mais abaixo estas mulheres, porque os direitos avançaram as deixando para trás.

“Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer ‘não’, você acredita que seria obedecido?” — Michel Foucault

Isto acontece porque o poder se articula de forma a beneficiar e a reprimir. Por mais que estejamos lutando para que o preço da passagem abaixe, as realidades de quem realmente precisa que a passagem caia faz invisível o fato de que isto é sim sobre vinte centavos. É justamente a perspectiva não-intersecional, que ignora a realidade da população periférica e proletária, que nos faz acreditar que isto é mais sobre corrupção do que sobre vinte centavos. Porque a gigantesca maioria de quem está alí realmente não irá precisar entrar em pânico porque vinte centavos aumentaram, então imediatamente ser somente sobre vinte centavos torna-se um problema. A ampliação das preocupações, para além do preço da tarifa, parece ser um grande avanço e uma melhora. Esta é uma falsa ilusão gerada pelos privilégios que se impregnam nos movimentos sociais, porque quando você troca vinte centavos por “corrupção” você não está ampliando o alcance, você está reduzindo. Você está tirando de uma questão objetivamente monetária, que atinge objetivamente quem não possui tanto dinheiro quanto você para uma questão patética como a “corrupção”, pela qual ninguém é a favor, e que é característica indissociável da democracia representativa capitalista.

Vamos falar sobre cooptação

Quando existe aderência massificada da população, e esta população não se politizou ainda, ela infla o protesto com discursos ideológicos. Ela enche o protesto de muito pacifismo, muitas reivindicações vazias (contra a corrupção! pela educação!), de bandeiras de Brasil beirando o nacionalismo de cantarmos o hino nacional, e, principalmente, de discursos opressivos, que se já entre as pessoas “politizadas” são sempre prevalentes, entre pessoas que não se politizaram são ainda mais. O machismo, o racismo, o heterossexismo e o discurso higienista burguês são alguns problemas que cada vez mais aparecem relatos de estarem surgindo nestas manifestações recentes, inclusive nos cartazes que estamos segurando e nos gritos que estamos bradando.

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Não se trata de elitizar o movimento e abandonar tudo, saindo fora porque “virou manifestação de direita”. O conservadorismo está aqui e estará de novo da próxima vez que houver grande aderência ao protesto. Se trata de discutir isto com as massas de forma a empoderar quem está ficando no esquecimento. Se trata de unir-se e organizar-se de forma a reagir dentro da própria luta. Se trata de abrir-se a pessoas aliadas que possam ajudar a articular discursos de resistência dentro da própria luta. Será completamente inútil abandonar o fronte. É preciso ser o contra-protesto. É preciso ser quem irá tentar radicalizar lá dentro, seja no discurso — questionando os discursos opressivos e reacionários que surgem –, seja na materialidade das ações radicais, seja na contestação firme de quem está tentando apaziguar as massas, seja no suporte imediato e vocal à vítima quando alguém estiver praticando discriminação ao seu lado. Não se cale. Ao invés de abandonarmos o movimento, é preciso organizar ao redor da postura anticapitalista, principalmente enquanto protagonizado pela classe trabalhadora, e ocupar este espaço. Similarmente, diante de atitudes machistas, ao invés de abandonar o movimento, de acordo com a disposição de cada pessoa, é preciso organizar-se conjuntamente, principalmente enquanto protagonizada por mulheres, e ocupar o espaço e afirmar-se enquanto pessoa que não aprova. É preciso construir a luta na própria luta. Nossa militância não pode ser um esforço de persuasão, mas sim uma tática de resistência por insurreição. Recebo ao meu lado pessoas aliadas porque sei que é interessante para questionarmos a opressão ao vivo e a cores, mas estas pessoas precisam entender a cultura de protagonismo e de responsabilidade que estão envolvidas ao colocarem-se como uma pessoa aliada destes combates.

Será por acaso que Arnaldo Jabor e Rafinha Bastos agora estão do nosso lado?

Se você tem essa disponibilidade, esteja lá. Tente organizar-se junto com pessoas comprometidas a questionar estas posturas conservadoras, principalmente as posturas opressoras, burguesas e pacifistas. Tem gente interessada? Traga pra junto. Forje na luta o questionamento. Levar o transfeminismo ao olho do furacão. Levar o antirracismo enquanto questionamento. Questionar como quem resiste, não como quem convence. Precisamos superar através de união intersecional e empatia de fato, porque o reacionarismo precisa ser contestado para que de marcha em marcha, por mais diversos que sejam seus tópicos, estas contestações saltem. Assim como o mesmo espírito nacionalista e pequeno-burguês estava nas marchas contra a corrupção, o mesmo espírito libertário precisa permear cada protesto e questionar a opressão em todos eles. Criar uma cultura libertária é uma urgência, principalmente diante da cooptação que o Estabelecimento faz de qualquerorganize movimento que surge, justamente porque são as relações de privilégio que mediam as interações sociais. A cooptação é muito mais simples quando feita articulando a Ideologia. Quando você fala sobre partidos “cooptando” a luta, alguém ri dentro do seu túmulo. Neste caso específico, partidos de esquerda não estão cooptando nada porque estão articulando uma teoria crítica ao que a maioria das pessoas que ali estão discordam. Cooptar a luta é o que faz o conservadorismo, e faz muito bem, porque ele é o padrão. Antes de pensarmos sobre as coisas, 100% de nós concorda com o que o conservadorismo tem a dizer. Ele é a base sobre a qual se assenta nosso discurso. A sua mera presença é cooptação. Por isso é tão urgente questioná-lo — em nós, e em todas as pessoas.

Pasmem: A corrupção não é o problema

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(Foto: Marcelo Gigante / RJ)

Protestar contra a corrupção é como protestar contra a fome. Seu alvo está errado, seu resultado será nulo. E se for algum, não será pra quem precisa. O Estabelecimento quer um movimento contra a corrupção e pela educação porque nenhum pilar estará ameaçado por boas escolas e políticos que não se corrompem. Os políticos continuarão a legislar pelo Capital, porque também é assim nas veneradas democracias europeias  supostamente “não corruptas”. A educação continuará a formar cidadãos para o Capital, para atender os interesses e as demandas do mercado. O Estabelecimento quer um movimento contra a corrupção porque se a contestação está no alvo errado, e contesta algo que fundamentalmente não representa mudança, então não sairá pedra de cima de pedra. O Estabelecimento quer um movimento contra a corrupção e pela educação porque ele pode atender 100% dessas reivindicações sem se abalar nem um pouco. Ele pode dar ótimas escolas e reduzir muito os níveis de corrupção, e continuar a ser uma plutocracia capitalista. Fazer reformas políticas contra a corrupção é meramente comprar o velho chavão de um Arnaldo Jabor indignado porque o PT roubou, e se esquecer que existe uma estrutura gigantesca, da qual o PT sequer é o maior beneficiário. O Estabelecimento também inflama as massas a se organizarem contra algo: contra algo completamente irrelevante.

Ninguém discorda da corrupção ser um problema. Ou de que a educação precisa melhorar. O que isso significa? Significa adesão em massa, onde nenhum privilégio precisa ser questionado. Protestos contra causas que são consenso não precisam colocar opressões em xeque. Que pautas e demandas surgem de um movimento conservador? Estas. E estas somente. Visivelmente, qualquer pauta que nomeie opressões, é imediatamente uma pauta egoísta: os transativismos são egoísmo, porque você está se preocupando somente com você e com as outras pessoas trans*. Deveria preocupar-se com algo que atinge todo mundo, como a corrupção. Um movimento conservador é completamente contra qualquer bandeira de qualquer partido, mas não propõe nenhuma forma de organização política no seu lugar. O anarquismo possui críticas para fazer a estas vanguardas, mas entre bandeiras de partidos e o completo vazio apolítico feito de esperança e algodão doce que aqui está disposto, vale mais ficar com as bandeiras vermelhas.

Um movimento nos moldes do inimigo

O Estabelecimento quer um movimento que acha que o “Brasil acordou” porque esse é um movimento que não conhece seu lugar na história, e as lutas que o colocam ali. Ele quer um movimento que acha que o “Brasil acordou” porque movimentos sem perspectiva histórica repetem os mesmos erros, e repetem os mesmos discursos, de quem dentro dos outros movimentos os fez institucionalizar e estabilizar junto ao poder.Achar que o Brasil acordou só agora é esquecer-se que as feministas estavam lutando, e portanto ignorar o que elas tinham a dizer, e fazer sua pichação misógina.934998_498006496937217_1131706862_n

Achar que o Brasil acordou só agora é esquecer-se que o movimento sindical está fazendo greves há tempos, e você estava reclamando. Quando a sua geração acordou, não significa que o Brasil acordou. Muitas lutas estão aqui, ao nosso lado, e se nãoacordamos para elas, nós somos justamente contra quem elas estavam acordadas. O Brasil não acorda, junto, homogeneamente, quando acorda em massa para algo específico. Se isto é acordar, então nunca dormimos. As opressões são diversas, e é preciso acordar para todas elas.

O Estabelecimento quer um movimento que apoia, abraça e se solidariza com a PM porque o poder não quer um movimento que apoia, abraça e se solidariza com a população periférica, proletária e negra. Porque quem quer dar flores à polícia se esqueceu que, há pouco — muito pouco — tempo atrás, quando estávamos enfurecidamente contra o que aconteceu na Aldeia Maracanã, quem estava lá era a PM. Porque quando nos enfurecemos com o que aconteceu em Pinheirinho, quem estava lá era a PM. É muito simples particularizar o que a PM faz aqui ou ali quando o que a PM faz de fato não está debaixo da sombra de nenhum iPhone ou nenhuma Nikon. Lá, nas periferias, onde a violência policial é mais brutal, e completamente ignorada, a PM está praticando seu fascismo diário contra os “bandidos” que um protesto conservador odeiam. Se o trabalho da polícia é atender os interesses do Capital, isto é, defender a exploração da classe trabalhadora, como poderia a polícia ser a classe trabalhadora? Quem considera a polícia com bons olhos é quem não está à margem de suas violências. Eis aqui uma margem para você: ter empatia por estas realidades, e parar de aplaudir estas violências.

“Polícia é pra bandido, pra estudante não!”, cantava a multidão, ontem, ao meu lado. “Eu entrei na PM pra prender bandido”, dizia no vídeo o policial, às lágrimas, aplaudido por quem chorava, emocionadamente, junto.

Ir às ruas por ir às ruas, não é acordar. Uma multidão de milhões pode estar nas ruas, isso ainda não será acordar. Existe uma ideia perene de que é preciso ir às ruas só por ir às ruas, e ela convence muita gente. E elas vão. Mas porque estes espaços não são espaços de contestação, porque estes espaços não são espaços organizados ao redor de algum assunto pontual, de fato nada é discutido. Esta é a cooptação que acontece por parte do conservadorismo

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Quando o Movimento Passe Livre propõe um debate extremamente pontual sobre a tarifa zero, e demanda barrar o aumento, uma classe média injuriada salta às ruas e manda na lata: “não é só sobre vinte centavos”, porque para ela, vinte centavos é muito pouco.

Mas isto é sim sobre vinte centavos.

Ir às ruas por ir às ruas não é acordar. Independente do número de pessoas. É preciso ocuparmos estes espaços, reagirmos dentro deles, levarmos discussões pontuais — como era a proposta do MPL — e resistir aos desvios que acontecem porque o Estabelecimento prioriza quem não precisa daquelas demandas. Há de se discernir pessoas aliadas de pessoas que não se importam. Marchar pode ser romântico, mas não é radical. Um milhão de pessoas sem nada a dizer, sem privilégios a questionar, sem questionamentos a fazer, sem patrimônios a quebrar, sem tópicos a discutir, não é uma multidão acordada. É, no máximo, um gigantesco episódio de sonambulismo político.

 

Retirado de: http://incandescencia.org/2013/06/18/isso-e-sim-sobre-20-centavos-conservadorismo-nos-movimentos-sociais/

Desmilitarização da polícia.

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Avenida Paulista – SP – 20/06/13

Você, que diz “bandido bom bandido morto” (frase inspirada em justificativa americana pra fazer genocídio de indígenas), é cúmplice desse comportamento da polícia.

É assim que se aplaude o autoritarismo, que quer ser aplaudido e quer ver apoio. Não é à toa que a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo foi pega ano passado exaltando a ditadura em seu site. Propaganda é a alma do negócio. Estou há anos acompanhando como a Polícia Militar do estado de São Paulo gosta de show: cavalaria, tropa de choque, helicóptero, principalmente contra estudantes e pessoas de baixa renda. Quando a PM chega é sempre um espetáculo espalhafatoso.

Quem pede por “bandido morto” está dizendo outra coisa: por favor violem a lei, abusem de poder, se sintam a encarnação da justiça, capazes de julgar e condenar à morte qualquer suspeito. É característico de todos os autoritários o sentimento de que estão agindo por justiça, pelo que é certo, em benefício do “cidadão de bem”. Ignorar que pena de morte é ilegal e que todos têm direito à defesa, e com o apoio de parte da população que quer ver o sangue dos criminosos, é justamente o que uma instituição autoritária quer para se legitimar.

O que a classe média paulistana viu contra parte de seus filhos na Paulista é apenas uma pequena amostra de coisa muito pior que acontece contra as outras classes – eu diria até contra outras raças, especialmente nas periferias.

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Belo Horizonte, junho de 2013.

A desculpa de que vão tirar nossas liberdades para nos proteger (do bicho papão comunista, do terrorismo, da baderna, do vandalismo) é indefensável. “Aqueles que renunciam à liberdade essencial para obter um pouco de segurança momentânea não merecem nem liberdade nem segurança”, disse Benjamin Franklin.

Peguem os exemplos dos lugares mais seguros do mundo: a segurança tem muito mais a ver com justiça social do que com Estado policial. A propósito, militares existem para prevenir um país contra a ação de inimigos. Toda a racionália militar está fundada na ideia de que outros povos podem nos atacar. A existência de uma polícia militar já perde totalmente o sentido nisso, pois a última vez que o Estado considerou oficialmente parte da população como inimiga foi no período da Ditadura Militar, por isso mesmo a SSP precisa exaltar esse período: a existência da PM é resquício dele, e depende dessa mentalidade para se justificar.

A geração que está se formando politicamente levando porrada da PM e se defendendo com vinagre de suas armas químicas não pode descansar até que todos vejam que a PM não tem mais razão de ser. Polícia civil para um regime civil. Polícia militar para o baú da história, junto com o regime militar.

Por Eli Vieira.
Retirado de: https://www.facebook.com/elivieira?fref=ts

Acordou? E agora?

Acordou? E agora?

Uma reflexão interessante, embora saibamos que há muito mais por trás dessa história de “acordar”. Muita manipulação, desde a mídia até práticas nas ruas, cooptando desavisados, subvertendo os valores iniciais das manifestações, não com pautas contrárias, mas com pautas vazias e muito bem direcionadas por intenções que não aquelas que trazem bandeiras como a do Passe Livre e de outros movimentos sociais que sempre buscam somar à luta por mudanças pontuais, mas concretas, que, se alcançadas, podem embasar lutas maiores e mais amplas.

Partidários, anti-partidários e bandeiras.

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A insistência dos protestos em serem apartidários tem sua suposta justificativa racional no fato de que parte daquilo contra o que se está protestando é a incapacidade de todos os partidos políticos em serem representantes genuínos dos interesses populares. Neste sentido, os partidos não seriam bem-vindos ao protestos porque eles fazem parte daquilo contra o qual se está protestando. Ao mesmo tempo, haveria o medo de que tais partidos tomassem carona nos protestos e tentassem de forma oportunista associar a mobilização com suas bandeiras e propostas, conquistando ilegitimamente um capital político que não lhes compete. Na verdade, ambas as justificativas são produto de uma consciência política ingênua e imatura.

Em primeiro lugar, ao identificarem os partidos políticos como objeto de sua revolta, os manifestantes recorrem a todo um falso ideário de que existem a sociedade de um lado e a política oficial do outro, de que a sociedade é vítima e os políticos, partidos e instituições são algozes, de que os protestos são expressão de insatisfações e demandas da sociedade, enquanto os políticos, os partidos e as instituições são os obstáculos deste processo. Não passa pela cabeça dos manifestantes que a situação atual se deve à sua própria indiferença e cumplicidade com a política corrupta e fisiológica e que esta é uma oportunidade de se reapropriarem dos partidos e instituições e darem a eles nova cara e novo sentido. Pelo contrário, é preciso manter os partidos e instituições do lado de fora, do lado de lá, da risca imaginária para frente, para que os culpados possam ser enunciados sempre na terceira pessoa. Trata-se de uma tentativa de fazer política sem se envolver com a política, é uma negação irônica da política durante o próprio ato de manifestar-se politicamente. É outra versão da atitude de não se envolver com política, outro ato de negação do engajamento: em vez de negar-se a agir politicamente, negar-se a reconhecer-se como agente político.

Em segundo lugar, esta atitude é motivada por um medo obsessivo da contaminação e da divisão. É como se o movimento fosse algo imaculadamente puro e irrevogavelmente unitário. Não pode se envolver com nada externo a ele, com nada que lembre a política velha que ele quer contestar. Não que ele tenha alguma alternativa a esta política, não que ele proponha alguma outra forma de realizar suas demandas. Pelo contrário, ainda é para o poder público oficial que ele as formula e dele que espera providências no sentido de realizá-la. O que quer dizer que, no ato mesmo de produzir poder social de pressão, ainda reconhece nos representantes da política velha o poder de decidir. Mas, se é assim, se a política velha ainda é, bem ou mal, a via de que dispomos, não seria melhor se apropriar dela do que negá-la? Que fantasia é este de pureza em que não podemos nos contaminar pelo contato, como se acaso fôssemos puros e isentos de culpa pela situação atual? O mesmo se aplica para a unidade. O movimento se afirma como democrático, mas é animado por um espírito tão fascista que não pode admitir divisões em seu corpo. Inclusive se envolve em expressões desgastadas de patriotismo porque supostamente o Brasil é tudo que está em jogo. E não é. Trata-se também de um momento para reconhecermos nossas diferenças, que nossas insatisfações e demandas são distintas, que nossas ideologias, medos e esperanças são distintas e que tudo bem ser assim, porque dispomos da democracia para dar conta de nossas diferenças e para negociarmos formas consensuais, tolerantes e inclusivas de convivência.

Quando vemos os manifestantes partidários de legendas ou de causas específicas serem agredidos e expulsos das manifestações, ficam claras duas impressões. A primeira é de que o movimento ainda está em processo de aprendizado sobre o que significa viver sob pluralismo e democracia. A segunda é de que ele está tão seduzido e apaixonado por uma imagem de si como neutro e unido que está disposto aos mais odiosos atos de exclusão e de violência para não ter esta autoimagem comprometida.

Texto escrito por: André Coelho.

https://www.facebook.com/andrelscoelho/posts/10201405964376714

Imagem retirada de: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=625889667424355&set=a.491350500878273.117840.491326247547365&type=1&theater

Os cinco mitos.

Nos últimos dias tenho me preocupado com a direção tomada por alguns participantes das manifestações que estão nas ruas. Seus gritos, cartazes e propostas me parecem inspirados em cinco perigosos mitos que rondam nosso país. Esses mitos impedem a percepção dos verdadeiros e sérios problemas que nossa sociedade enfrenta. 

MITO 1- Os políticos são todos corruptos, fora com eles! 

É preciso resistir a todo custo diante desse mito. Ele generaliza de forma totalmente falsa uma espécie de imoralidade que seria própria aos políticos. Mas precisamos cavar um pouco mais fundo para entender o real problema.

A classe política não é composta por um bando de alienígenas vindos do planeta dos bandidos. Todos os políticos eleitos são representantes. O problema é que muitos deles não cumprem sua função. Repare que a maioria do nosso Congresso é composta de empresários e homens de negócios, enquanto nossa sociedade é composta basicamente de trabalhadores. Não tem alguma coisa estranha nisso? Tem sim: nossa representação é distorcida, e os interesses econômicos terminam se sobrepondo aos interesses sociais. E por isso tantas coisas na nossa sociedade não funcionam. Nosso transporte urbano é ruim: é dominado por grandes empresas que financiam campanhas. Os estádios da Copa foram caríssimos e superfaturados: para atender os interesses dos donos de construtoras. Nosso sistema de telefonia celular é péssimo: é “fiscalizado” por uma agência reguladora dirigida por ex-executivos das empresas de telefonia… E assim vai. 

Você acha que são os políticos que faturam com a corrupção? Na verdade, os principais beneficiados são esses empresários: eles são os principais corruptores. Isso pode mudar com um maior controle social, contas abertas e comitês de fiscalização. Sim, nós podemos mudar esse quadro: com maior participação social. Politizando mais, e não menos, nossa sociedade.

MITO 2- Quanto menos governo melhor! O estado não sabe fazer nada direito e gasta mal os recursos

Esse é o mito da incompetência do Estado, que tanto circula na imprensa e segundo o qual no Brasil seria impossível que o governo trabalhasse de forma correta em prol do cidadão. Trata-se de uma grossa mentira. Não há nada em nossa sociedade que favoreça ou impeça por si só o governo de ser bom. E deve-se dizer que muitas instituições públicas são bem conduzidas. Estudei em uma universidade pública e não tenho queixas: recebi uma educação de qualidade. O problema não é o tamanho do Estado, ele não deveria ser maior ou menor: deveria ser melhor, só isso. 

Esse mito esconde um interesse perigoso. No Brasil já se fez assim: governantes inescrupulosos sucateiam as empresas públicas, jogam para a mídia a imagem de que estas são ineficientes, e depois vendem as empresas. Isso é alienar patrimônio coletivo: uma empresa vendida deixa de ser de todos e passa a ser de um ou dois! É como se a gente dissesse assim: ta ruim, quebrou, joga fora! Mas é muito melhor consertar: empresas públicas destinam seus lucros para a coletividade e não para um empresário. E isso pode acontecer também, com um maior controle social sobre as contas públicas, a partir da formação de comitês com a participação direta da sociedade. 

MITO 3- Bolsas são populismo, demagogia!

Para muitos as bolsas dadas pelo governo a populações de baixa renda são um incentivo para a inércia e não resolvem o real problema. O governo deveria investir mais em educação, ensinar a pescar ao invés de dar o peixe. São muitos os problemas dessa suposição. Em primeiro lugar, antes mesmo de ensinar a pescar, é preciso não deixar o pescador morrer de fome. E as bolsas fizeram isso: impediram e impedem milhões de MORRER DE FOME. Em segundo lugar, as bolsas não favorecem a vagabundagem: as taxas de emprego dos usuários das bolsas são maiores do que a média nacional. E afinal, ninguém consegue viver só com valores tão baixos.

Também aqui é preciso ir mais fundo. As bolsas existem como mecanismo de compensação. Você sabe o que diferencia de verdade o Brasil dos países desenvolvidos? É o SALÁRIO. Os salários são muito mais altos por lá, o que quer dizer que nesses países a maioria tem acesso ao consumo e oportunidades para crescer. No Brasil tínhamos até antes das bolsas e dos aumentos do salário mínimo uma desigualdade social pior do que a maioria dos países da África. Baixos salários significam uma elite econômica exploradora e desumana. Significam também menos gente pra consumir e colocar a economia pra funcionar. Enquanto pagarem salários tão baixos, precisaremos de bolsas sim.

MITO 4- O governo não investe em saúde, em educação, o quanto deveria! 

Esta frase se refere a algo que não existe: O governo. Não existe O governo: existem governos. Federal, estaduais e municipais. Sofremos no Brasil de uma ignorância muito séria do pacto federativo: ou seja, quase todo mundo desconhece as atribuições de cada governo, e assim não sabe a quem cobrar. A educação no Brasil está muito abaixo das expectativas? Mas, qual educação? A educação pré-universitária. Aquela que é gerida pelos governos estaduais e municipais. Assim, se for cobrar uma educação melhor, cobre do governador e do prefeito! E analise a história do partido que está no governo do teu estado e do teu município, e veja se nesse governo a educação melhorou. Não acredite em belas propagandas, elas são feitas para boi dormir. Veja os números, converse com os profissionais envolvidos, eles te dirão melhor o que está acontecendo. Mas: saiba sempre a quem culpar, e cobre quem deve ser cobrado! 

MITO 5- O brasileiro é pilantra, vagabundo! 

Este é o mito mais perigoso de todos. É o mito do “brasileiro”, entre aspas. Ouvimos isso por todo lado. “Brasileiro” é assim, se puder levar o seu leva, se puder aproveitar aproveita. “Brasileiro” é preguiçoso, gosta de feriado, não gosta de trabalhar. “Brasileiro” não reclama, é bonzinho, passivo. Repare que este mito está na base de vários outros que vimos aqui. Seria por exemplo esse caráter do “brasileiro” que levaria a uma classe política corrupta: sujeito quer chegar lá só pra mamar… é o “brasileiro” no poder que faz todo esse estrago. 

Em primeiro lugar, sou brasileiro e não “brasileiro”, não aceito ser considerado omisso, imoral, vagabundo, bundão! Mas é ainda pior: essa imagem trai um preconceito brutal. É o preconceito de quem é da elite contra o povão, e que a classe média acaba engolindo. Mas foi o povão que construiu essa nação: construções, estradas, fazendas, tudo é feito basicamente por essa grande massa, que arregaça as mangas e trabalha de verdade – recebendo um reconhecimento muito menor do que merece. Preste atenção, preste atenção! Lá fora são milhões e milhões ralando enquanto você fala mal do “brasileiro”. Enquanto isso é por causa do trabalhador rural que você toma café, almoça e janta, é por causa do trabalhador da construção civil que você tem um teto, é por causa do operário que você anda de carro, e assim vai. 

Precisamos lutar, dia a dia, para que a contribuição de todos seja reconhecida e os verdadeiros culpados sejam indicados. Os principais problemas do Brasil não estão só na classe política, mas nos interesses da minoria que ela defende, na falta de fiscalização, nos empresários que usam o Estado a seu favor, nos baixos salários e na desvalorização de nossa identidade e cidadania. Que essas manifestações nas ruas produzam uma nova vontade de mudanças, que nos leve a avançar cada vez mais no rumo de melhores condições de vida para nosso povo tão sofrido.

 

Por Guaracy Araújo.

Retirado de: https://www.facebook.com/GuaracyAraujo/posts/10201030619824235

22 de junho, 2013: “revolta do vinagre”

Meus queridos, sei que muita gente anda insatisfeita com os rumos tomados pelos protestos. Ando também com um certo receio de que equívocos maiores sejam cometidos, na medida em que teorias conspiratórias se espalham pelo ambiente virtual, mas não me declaro decepcionado com nada. Apropriando-me do bordão lançado pelo colega Juliano Malinverni, a caminho da passeata, eu entrei nessa sem nenhuma ilusão mas com grandes esperanças. Esperança que aumentou um pouco quando assisti pela televisão ao depoimento de uma adolescente no meio da passeata. Ela dizia, com segurança e naturalidade, quase com essas palavras, que “o mais importante disso tudo é que descobrimos que nós temos poder e que à partir de agora será mais fácil sair às ruas com a ferramenta das redes sociais”. Parece óbvio, não é? Mas a verdade é simples. Ingênuo, na verdade, é quem acreditou que os filhos da conservadora e despolitizada família brasileira ganhariam às ruas conscientes e progressistas. A grande singularidade desta que possivelmente entrará para história como a “revolta do vinagre”, muito mais do que sua pauta difusa, é uma grande aversão à representatividade. E antes que venhamos a falar em facismo, diante das cenas de agressão aos militantes, é preciso aceitar a natureza desse fato, que revela uma parcela da sociedade com a qual os movimentos organizados não têm sido capazes de dialogar, com exceção do MPL (que parece ter uma das chaves para a compreensão). Diante disso, o grande desafio que nos apresenta agora é separar o joio para que o trigo floresça em novas e sadias lideranças, marcadas com o exemplo poderoso desses dias. É uma tarefa pra hoje, mas não acaba com a semana nem com o mês. Não acaba, na verdade.

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Sábado às 11:34

 

Retirado de : http://www.facebook.com/silvio.mansani.3/posts/3202564441134